quarta-feira, 5 de agosto de 2009















Comédias da vida pública

"Os fatos são como os sacos: quando vazios não se têm de pé."
Luigi Pirandello

Aconteceu exatamente o que se esperava. O ainda presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), não renunciou hoje à tarde, como ainda apostavam uns poucos desavisados. Ao contrário: negou a possibilidade, sob a justificativa de que não cometeu ato ilícito, e que não cederá à campanha sistemática deflagrada pela grande mídia para desmoralizá-lo. Coitado dele...

Até aí, nada de novo. Tudo isso já fora dito. Mas o discurso do octogenário coronel maranhense na tribuna pegou de calças curtas alguns senadores. Ao se defender das acusações, ele dividiu responsabilidades por nomeações, distribuição de verbas públicas e outras decisões tomadas via atos secretos.

Ao lembrar aos seus pares ter sido eleito presidente da Casa por eles próprios, sentenciou que todos ali são iguais, ninguém é maior que o outro e, por isso, não podem exigir a sua renúncia. Lembrou, de quebra, seus 55 anos de vida pública, como forma de cobrar respeito à sua figura "incomum" - para usar uma expressão do presidente Lula, um grande sarneyzista.

Recado dado, Sarney lançou mão de um telão com sistema datashow, e, da tribuna, mais parecia um professor ensinando a curiosos 80 alunos a arte de se livrar de acusações. Sejam elas de corrupção, nepotismo, uso da máquina pública em benefício próprio, corporativismo e tantas outras artimanhas tão comuns ao cotidiano do Parlamento brasileiro.

Para bom observador, os sinais foram bem claros. A raposa política não pretende se deixar caçar - ou cassar - facilmente. E quem se atrever a tentar se arrisca a ser arrastado para o fundo do poço.

Sarney - que havia prometido só falar após a reunião do Conselho de Ética do Senado que decidiria sobre as representações apresentadas contra ele por quebra de decoro parlamentar - espertamente não cumpriu a promessa.

No momento em que a sessão do conselho seria aberta, num auditório próximo, o coronel maranhense pediu a palavra lá no Plenário. Resultado: esvaziou a sessão do conselho, que terminou suspensa. Seu aliado, o presidente do Conselho de Ética Paulo Duque (PMDB-RJ), só conseguiu reabri-la no início da noite, após o discurso de Sarney. E já com a Casa em outro clima.

Duque, aliás, não é a única arma colocada por Sarney no conselho para evitar sua cassação. Hoje pela manhã, ele também emplacou Gim Argello (PTB-DF) na vice-presidência do órgão. Ambos são suplentes e estão no exercício do mandato. Como não chegaram ao Senado pelo voto popular, mas sim como substitutos - graças à distorção legal que criou a figura do suplente - Duque e Argello não têm compromisso com os eleitores. Farão, no Conselho de Ética, o que lhes for solicitado pelos sarneyzistas. E todo mundo sabe disso.

A perspectiva que ficou mais evidente com os acontecimentos da "sessão da tarde" de hoje é a da absolvição completa de Sarney já nos próximos dias, enterrando de vez mais um escândalo no Senado e abrindo espaço para o próximo. Que certamente não tardará...

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