sexta-feira, 30 de abril de 2010

A perversa lógica de se negar a política


















Vinícius Werneck B. Diniz
www.papopolitico.com.br


Muita coisa aconteceu entre a famosa frase de Aristóteles configurando o homem como um animal político (politikon zoon) e os recorrentes estudos científicos que tentam explicar a descrença generalizada com relação à política. Em muitos contextos, conversar sobre política proporciona interessantes contrações faciais nos ouvintes, sutilmente desaprovando a emergência de tão desagradável tópico.

Ter um filho político tornou-se algo que algumas famílias procurariam esconder. Nas recentes pesquisas acadêmicas têm-se notado um fenômeno interessante: além dos clássicos personagens frequentemente encarnados pelos candidatos – o gerente, o pai de família, o zeloso, o self-made man -, criou-se a figura do técnico. A característica mais notável dessa persona encontra-se no fato que ele se considera livre de qualquer politicidade. O candidato escolhe para si a imagem da frieza técnica, de alguém que encontra um problema e sabe o que fazer para consertá-lo. Chega ao extremo de dizer que não é político nem pretende sê-lo, como se a política fosse o lugar que deve ser negado.

Negar o reino da política não é uma postura sem prejuízos: ela favorece uma lógica perversa, que, por vezes, afasta da participação aqueles realmente interessados no bem comum. Cada cidadão que abdica da participação política por considera-la improdutiva ou mesmo negativa, certamente está tornando mais fácil o caminho para aqueles que se aventuram na política institucional para favorecimento próprio.

Participamos da política diariamente, sem percebermos. Estamos atuando politicamente quando nos relacionamos com os vizinhos, quando decidimos saber ou não o nome do porteiro, quando enviamos um telegrama a uma família conhecida que acabou de enterrar um dos parentes. Somos políticos quando precisamos resolver como organizar o almoço de arrecadação de fundos de uma igreja – ou quando queremos justamente impedir que alguém se case na igreja. Somos políticos quando conversamos em família para decidir onde serão passadas as próximas férias – e também o somos quando decidimos unilateralmente e notificamos os demais familiares.

Política, não sem motivo, vem da raiz polis, que significava cidade na antiga grécia. Foi após a formação das cidades – à época unidades com grande autonomia – que surgiu também o conceito polites (cidadão). As palavras inglesas politics, policy e police têm todas a mesma origem grega no termo polis. A língua portuguesa traduz politics e policy em apenas uma palavra: política. Quando dizemos “qual a política do condomínio em relação a animais?” estamos nos referindo a policy (também usado na expressão “políticas públicas”). Quando falamos sobre política como a ciência de governar (Aristóteles), ou mesmo em um sentido mais amplo, que envolva as atitudes cotidianas dos cidadãos comuns, estamos utilizando o conceito politics. Police, contemporaneamente traduzido como polícia, foi, durante um tempo, intercambeável com o termo policy. Manter a ordem era afinal, uma política pública, e essa política (policy/police) ia para a rua tomar forma.

E o que não é a política, se não nossa prática de convivência diária na polis? Considerar-se alheio ao processo político – além de pouco produtivo para a melhoria das condições coletivas – é também uma ação política. É uma ação política, por que possui resultados coletivos, implicações amplas e é, em última instância, exercício de liberdade individual. Não é necessário que todos se obriguem a participar da política partidária, mas certamente demonizar essa ou qualquer esfera da práxis política só favorece aos espertos interessados em garantir tranquilidade financeira às custas do erário público.
Florestan Fernandes

Mitos como o de se autopropalar apolítico ou não-ideológico são muitas vezes favoráveis à manutenção do status quo. Gramsci citava constantemente uma frase de Marx, defendendo que “a teoria se transforma em poder material tão logo se apodera das massas”. Independente de qualquer juízo de valor sobre as teses gramscianas, é bastante consensual que conhecimento tem grandes conexões com poder. Manter a população minimamente satisfeita é uma estratégia utilizada em Roma (Panis et circenses), propagada por Maquiavel (“O Príncipe”), denunciada por Florestan Fernandes (“Sociedade de classes e subdesenvolvimento”), analisada por Robert Dahl (“Poliarquia”) ad aeternum. Isso não impediu que o século XXI fosse um espectador da mesma forma ingênua de dominação de poucos sobre uma maioria.

Perceber-se como um ser ideológico e político veste de legitimidade as posições individuais, mesmo aquelas de afastamento voluntário da participação política institucional. Se já é difícil decidir qual filme ver no cinema, quando a outra pessoa se recusa a opinar, imagine a complexidade de cuidar de um país inteiro, ou mesmo uma cidade ou condomínio.

Churchill disse da democracia: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais.” Da mesma forma podemos dizer da política ou da ideologia: ninguém diz que a busca coletiva para o bem comum, o debate, a discussão de ideias ou a dialética são perfeitas ou sem defeito. São, talvez, as piores opções – depois de excluir todo o resto. Talvez uma alternativa ainda esteja por ser inventada. Mas, certamente, o inventor precisará da política, do debate e da dialética para convencer o resto do mundo que eles estão de costas na caverna de Platão.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Líder de quem?















Em época de eleição, fica difícil fazer justiça ao presidente Lula sem incorrer no risco de ser acusado de partidário. Quero deixar claro que não sou, nunca fui e não pretendo ser partidário do petismo. Aliás, nos dias de hoje, me custaria muito manter simpatia por qualquer partido ou político brasileiro.


Mas quando um presidente de um país sofrido como o Brasil é listado por uma das maiores revistas do mundo, a norte-americana Time, entre os 25 líderes mais influentes do planeta, vêm à cabeça, de imediato, dois exercícios de reflexão: primeiro, uma
retrospectiva dos últimos sete anos e meio da gestão Lula. E em seguida, uma comparação com o trabalho dos administradores que o antecederam. Daí, surge a pergunta: o que mudou tanto no Brasil de hoje?

Não se trata de discorrer sobre a política econômica, a elevação do PIB e do nível de emprego e renda, ou mesmo a melhoria da imagem do país lá fora. Coisas que estão na ponta da língua de qualquer técnico ou parlamentar petista. Gostaria de avaliar um aspecto mais básico, mas ao mesmo tempo, essencial: o povo está comendo mais, vestindo mais, estudando mais e trabalhando mais do que antes.


Quando me refiro ao povo, falo de Povo com P maiúsculo. Eu mesmo não me incluo nesse grupo, porque tenho raízes fincadas na pobre classe média brasileira, que pouco sentiu os efeitos da atual gestão. Um universo do qual também fazem parte muitos dos que me lêem.

Sem querer usar, mas já usando a péssima classificação adotada por antropólogos, sociólogos, economistas e políticos, falo dos que integram as classes C, D e E no país. Pessoas que há pouco mais de duas décadas ainda trocavam seu voto por tijolos, telhas, dentaduras ou pares de óculos. E antes que alguém diga: ah, agora eles trocam seu voto por um cartão do Bolsa Família, eu mesmo admito. Sim, trocam. Mas ao menos estão trocando por comida.

Não se trata de conformismo, mas de realismo. Quem cobriu inúmeros comícios de Lula, ao longo de cinco eleições presidenciais, deve ter ficado saturado de tanto ouvi-lo propagar seu sonho de chegar ao poder para garantir a cada brasileiro o direito a três refeições decentes ao dia. Parecia um projeto muito pouco ambicioso. Mas só para quem nunca passou fome na vida.


Não se trata de fazer apologia ao presidente Lula. Mesmo porque, costumo levantar muitos questionamentos sobre a condução política dada por ele ao governo, às alianças espúrias que fez para chegar aonde chegou, à relação de barganha que estabeleceu com o Legislativo e o Judiciário e outras questões pouco glamurosas para que é citado como "exemplo de filho da classe trabalhadora da América Latina" no texto da Time. Texto, aliás, muito bem escrito pelo jornalista e cineasta americano Michael Moore, no seu estilo recheado de ironias.

Gostaria apenas de deixar no ar algumas perguntas ingênuas: Por que somente Lula - e nenhum dos seus antecessores - foi capaz de promover tais mudanças na vida dos mais pobres? O que tem de especial nesse político, oriúndo do sindicalismo de porta de fábrica, de pouca instrução e fala incorreta? O que leva um presidente que se comporta ao avesso do que se espera de um estadista, a ser escolhido como um dos principais líderes mundiais?

São questões que qualquer opositor de Lula responderia com a maior facilidade. Só não se sabe se tais respostas - geralmente tiradas de um repertório já bem batido - conseguiriam convencer quem mudou de vida nos últimos sete anos e meio, que saiu da linha de miséria graças aos programas sociais do governo.

De fato, parece que somente uma eleição plebiscitária - como, no fundo, desejam petistas e tucanos - pode esclarecer tudo isso.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Terceira via petista










Embora jamais tenha dado resultado nas eleições em Pernambuco, a tese da terceira via começa a ganhar força novamente. Mas dessa vez, dentro do PT. Isso ficou claro no encontro estadual do partido, sábado passado. Depois do rompimento com João Paulo, o prefeito do Recife João da Costa confirmou, extraoficialmente, que não há mais ambiente para ele na corrente Coletivo de Esquerda Unificado (CEU), liderada pelo seu ex-padrinho político.


O desconforto ficou evidente quando os dois sequer trocaram cumprimentos na plenária petista do final de semana. Do slogan "João é João", cunhado durante a campanha vitoriosa de 2008, não sobrou quase nada. Publicamente, João Paulo tem se referido ao ex-afilhado como "um ilustre desconhecido" que ele ajudou a eleger. Nas rodas mais fechadas, as citações ao sucessor são ainda mais duras. Impublicáveis aqui. Digamos que ele faça menção à palavra traição.


E João da Costa, que até pouco tempo fazia questão de não acusar o golpe, decidiu reagir. Ciente de que não tem condições de passar para o lado de Humberto Costa - líder da Construindo um Novo Brasil (CNB) - sem aumentar a munição verbal do antecessor, parece decidido a construir uma nova corrente.


Logo após o rompimento, João da Costa havia sido indagado se não pensava em montar seu próprio grupo, aproveitando o peso político do cargo, como fez João Paulo. E negou. Disse que preferia concentrar suas atenções na administração da cidade. Mudou de ideia.


Deve ter enxergado que, por melhor gerente que seja, se não tiver um mínimo de influência nas decisões internas do PT isso não valerá muita coisa. Ele não passará de prefeito. Pode ter sido a última das lições do ex-padrinho político. Afinal, os oito anos de gestão bem aprovada no Recife não foram suficientes para garantir a João Paulo a tão sonhada vaga de candidato ao Senado. Mesmo após cinco tentativas fracassadas nas urnas para obter um cargo majoritário, Humberto ficou com a vaga.


No início da campanha de 2008, João da Costa foi chamado de "poste" pelos adversários. Diziam que ele não tinha jogo de cintura, carisma, e era eleitoralmente pesado. O petista mostrou que não era bem assim. Venceu a disputa no primeiro turno e, ao assumir, decidiu carimbar de vez a imagem de independência, livrando-se dos resquícios da administração de João Paulo. Um pacote que incluía auxiliares "herdados" por ele na PCR, que deviam obediência ao ex-prefeito.


Foi o suficiente para gerar a mágoa. Depois de lutar contra tudo e todos - inclusive dentro do próprio PT - para provar que o "poste" tinha luz própria, João paulo mudou rápido de opinião. Frustrado na expectativa de construir um terceiro mandato "extraoficial" na Prefeitura, ele se afastou, talvez imaginando que sem sua orientação, o ex-pupilo poderia se dar mal.


Agora, está sujeito a amargar o surgimento de um novo grupo político petista - que contará, certamente, com a simpatia de Humberto - para fazer ainda mais sombra às suas pretensões de poder no PT e no Estado.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Uma derrota anunciada












Abrir mão de uma tese ou postulação “em nome da unidade” é uma ação nobre, mas muito rara na política brasileira. Via de regra, a palavra “unidade” é utilizada apenas como mera retórica. Uma cortina para esconder divergências internas que, se expostas, comprometeriam todo um grupo.

Com o PT não foi diferente. Só ingênuos acreditariam que João Paulo desistiu de disputar a indicação para o Senado, depois de tanta briga, simplesmente em nome da unidade. Desistiu porque foi pressionado e ficou sem saída, como ele próprio reconheceu. Sem demérito para Humberto Costa, que fez por onde garantir a indicação.

Na verdade, João Paulo começou a perder a parada em novembro passado, quando seu grupo foi derrotado na disputa pelo comando estadual do PT. Ao assegurar maioria interna, Humberto começou a pavimentar o processo, que culminou com a decisão da Justiça de inocentá-lo no caso da Máfia dos Vampiros, no mês passado.

Antes disso, a briga interna era tão acirrada que o próprio presidente Lula pediu ao governador Eduardo Campos (PSB) para manter distância, evitando respingos capazes de abalar a aliança PT-PSB no Estado. Se tinha preferência por um ou outro petista, Eduardo não externou.

Agora que a escolha foi feita, porém, o governador sabe que contará com pouco mais da metade do PT estadual na sua campanha. O resto estará empenhado em garantir a João Paulo uma votação expressiva para a Câmara Federal, como derradeira tentativa de reaver parte do terreno perdido para Humberto.

* Publicado na coluna Cena Política, do Jornal do Commercio, em 19/04/10


segunda-feira, 12 de abril de 2010

Panetones e ovos de páscoa















Preso desde 11 de fevereiro, o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda foi solto hoje. Deixou a carceragem da Polícia Federal acompanhado da esposa e do advogado, sob os protestos de um grupo que o aguardava na porta.

Mas lá também havia um outro pelotão, formado por "amigos" do ex-governador, que aplaudiam e cantavam hinos religiosos.
Certamente pela "graça" recebida de oito juízes do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que votaram pela liberação de Arruda.

Não obstante a fé cega demonstrada dos amigos do ex-governador, sua libertação tem muito pouco a ver com milagre. Arruda foi solto porque, no entendimento dos juízes, perdeu seus poderes, seu peso político, sua moral. Enfim, tornou-se um mortal como muitos de nós. Inofensivo.

Não é bem verdade. É bom lembrar que, antes de chegar ao governo do Distrito Federal, José Roberto Arruda foi senador. Envolvido até o pescoço no escândalo da violação do painel do Senado, sob as ordens do então todo-poderoso senador Antônio Carlos Magalhães, renunciou ao mandato, junto com ACM, para não ser cassado e perder seus direitos políticos.

Nas eleições seguintes, o coronel baiano voltou ao Senado nos braços do seu povo. Arruda preferiu outro caminho: o governo de Brasília. Eleito, vinha exercendo o cargo com certa visibilidade. Tanto que chegou a ser disponibilizado pelo DEM como opção para a vice do presidenciável tucano José Serra.

Depois, o vento virou. Já na prisão, Arruda teve o mandato cassado pela Justiça Eleitoral. Não por improbidade administrativa. Muito menos por prevaricação, corrupção, formação de quadrilha. Nada disso. Foi enquadrado apenas na Lei de Fidelidade Partidária. Perdeu o mandato porque deixou o DEM sem justa causa. Tentava escapar do desgaste de uma expulsão.

José Roberto Arruda foi preso em fevereiro, junto com mais cinco integrantes da quadrilha que se beneficiava do desvio de verbas públicas no governo.
Guardem bem os nomes e não aceitem cheques desse pessoal: Geraldo Naves, Wellington Luiz Moraes, Antônio Bento da Silva, Rodrigo Diniz Arantes e Haroldo Brasil de Cavalho.

Depois que o esquema foi flagrado pela Operação Caixa de Pandora, da PF, o ainda governador tentou justificar que o dinheiro desviado serviria para comprar 120 mil panetones, a serem doados às comunidades carentes de Brasília no Natal. Mas nenhuma família sentiu sequer o cheio da iguaria. Aliás, o único odor presente era o de meias e cuecas sujas, abarrotadas com o dinheiro distribuído entre o bando.

Que Arruda seria solto a qualquer momento, todo mundo já sabia. Afinal, se a Justiça mal consegue manter presos os homicidas, sequestradores e outros marginais da pesada, que dirá um mero criminoso de colarinho branco, algo tão banal no Brasil?

Só é lamentável que a decisão do STJ não tenha acontecido mais cedo. Se fosse solto na Semana Santa, por exemplo, Arruda bem que poderia retomar todo o seu altruísmo e, quem sabe, distribuir uns ovos de páscoa com o povão.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

A ciência do contraditório











Depois de 22 anos fazendo jornalismo, Mariana ainda me pede para escrever sobre o assunto. Quer que eu conte um episódio interessante que tenha visto ou vivido.Terrível ironia! Jornalista escrevendo sobre jornalismo, tendo a própria história como lide. Vai funcionar? Como jornalismo é a arte de encarar desafios, vamos a ele.


Antes, porém, já que falamos em desafios, um conselho grátis aos coleguinhas iniciantes: quem busca segurança e tranquilidade, e não está disposto a enfrentar desafios cotidianos, seria melhor dedicar-se a outra profissão, menos dada ao "inesperado".


Desafio, no jornalismo, significa esforço de sobrevivência. De fato, aquela ideia romântica do destemido repórter investigativo, cujos furos são aplaudidos pelos donos do jornal, elogiados pelos editores e lhe garantem incontáveis prêmios só existe no cinema.

O que não quer dizer que não seja uma profissão apaixonante como poucas. Na verdade, vicia como droga na veia. Jornalismo é ame ou deixe, e no começo da carreira você já vai ter condições de fazer sua escolha.


Visto sob certo aspecto, o jornalismo é mágico. Ele torna humanos os de coração duro, ensina altruísmo aos egoístas e revela personalidades sensíveis em quem menos se espera. Assim como é capaz de corromper os de pouco caráter, expor os preguiçosos e expurgar os menos companheiros.


A magia, porém, é só um detalhe. O que pesa mesmo é a vida real. E nesta - que é chamada de "profissão do estresse" - não basta ao jornalista matar um leão por dia. É necessário dissecá-lo nos mínimos detalhes, examinar bem todos os ângulos e, com um pouquinho de sorte, encontrar uma boa história. Se conseguir fazer tudo antes de cair a noite, parabéns. Você pode se considerar um repórter.

Lembro de um "foca" que andou pela redação do JC. Vinha recomendado "de cima", caiu na editoria de Política e foi devidamente pautado. Estávamos às vésperas de uma nova campanha eleitoral, e o bravo aspirante teria que cobrir uma reunião de cúpula de determinado partido. Respirou fundo, pegou o bloquinho, saiu... e sumiu! Como na época ainda não dispunhamos das benesses do telefone celular - também chamado carinhosamente de "coleira" por alguns editores - findamos a edição sem a matéria, que foi publicada pelos concorrentes.

E não é que no outro dia o cidadão reaparece? Na maior cara limpa, sorri, dá bom dia e, calmamente, senta-se para escrever. Questionado sobre não ter voltado à redação na noite anterior, o jovem periodista surpreendeu-se: "E era para escrever a matéria ontem mesmo, é?"


Pois bem. Além dos leões diários a serem mortos, vez por outra o jornalista esbarra em algumas dificuldades inerentes à profissão. Há a arrogância dos poderosos, a intolerância de chefes recalcados ou mesmo a imprecisão das fontes menos letradas. Tudo isso recompensado com uma remuneração mensal de fazer gosto! Mas e daí? Não éramos tão idealistas na faculdade?


Posso dizer, hoje, que sou um "homem de redação", apelido que se dá aos rinitentes, que conseguiram, sabe-se lá como, ficar expostos à alta pressão por mais tempo. Muitos desistiram, mas eu continuo por aqui. E agora, sem diploma, não é mesmo ministro?


Por fim, gostaria de afirmar que não duvido de quão árdua deve ser também a vida dos colegas assessores de imprensa, consultores de comunicação, acadêmicos. Enfim, gente que abraçou outras áreas dessa ciência tão complexa. A todos, parabéns pela data, da qual, confesso, eu nem lembrava. Boa sorte e sucesso. No mais, é continuar vivendo a contradição de uma rotina que todos os dias nos traz algo de novo.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Dilúvio político













As chuvas que caem desde ontem no Rio de Janeiro são, de fato, um caso grave. Fiquei plenamente convencido disso quando li que o presidente Lula foi obrigado a cancelar um evento previsto para hoje pela manhã, no Morro do Alemão, subúrbio carioca.

Ele iria inaugurar uma creche e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), feitos com recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), carro-chefe da sua administração - e da campanha da ex-ministra Dilma Rousseff, presidenciável do PT.


Mas o presidente não cancelou uma entrevista à Rádio Tupi, concedida diretamente do Hotel Copacabana Palace, na zona sul do Rio. Ainda bem. Se ela também tivesse sido desmarcada, os brasileiros não ficariam sabendo que Lula é radicalmente contra o uso da máquina pública nas campanhas eleitorais.


Parece piada. Mas até onde se sabe, o presidente é um político sensível, que não é dado a contar anedotas enquanto uma cidade e seus habitantes vivem um caos total. O que significa que ele, talvez, tenha mesmo falado a sério.


Segundo o presidente, é preciso respeitar os "ideais republicanos" do País, e provar que é possível passar por um processo eleitoral sem usar a máquina pública, "como já ocorreu antes".

Mas a partir desse ponto da entrevista, parece ter batido certa amnésia. Lula esqueceu de citar quando teria sido esse "antes". Não disse se teria, por acaso, acontecido durante o lançamento de alguma ação do PAC. Ou em alguma visita às obras em andamento, nas quais ele costumava levar a tiracolo a ministra-candidata Dilma Rousseff.


Não. Lula não citou exemplos de uso da máquina pública. Nem disse, sequer, se teriam sido seus adversários tucanos que lançaram mão desse instrumento durante a campanha de reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Se o fizeram, Lula não lembrou naquele instante. Talvez venha a se recordar durante a campanha de Dilma.


O presidente também jurou que não conhece o teor das multas que lhe foram aplicadas pela Justiça Eleitoral por fazer campanha antecipada para a presidenciável do PT. Limitou-se a comentar que "os advogados" estão encarregados desse trabalho.

Referia-se à Advocacia Geral da União, órgão encarregado da defesa do presidente e do governo. Que menos de vinte e quatro horas após a segunda multa ser aplicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entrou com um recurso contra a punição.


E ao concluir a entrevista, enquanto o Rio de Janeiro submergia, o presidente tranquilizou a todos, informando que já orientou os ministros sobre como se portar durante a campanha. Garantiu que a sua prioridade é governar o País, embora tenha admitido que poderá vir a participar da campanha de Dilma, mas sempre fora do horário de expediente.


Como se presidente da República marcasse cartão de ponto.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Na pressão















O senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) resolveu proporcionar aos seus aliados mais algumas semanas de noites insones. Há pouco, comunicou que resolveu deixar para o próximo dia 30 de abril o anúncio da sua decisão de disputar ou não um terceiro mandato no governo do Estado.


E como a já fragilizada oposição pernambucana deixou mais do que claro, ninguém trabalha com outra opção além da candidatura Jarbas para enfrentar o rolo compressor da reeleição do governador Eduardo Campos (PSB). Por isso, as próximas três semanas e meia serão de pura pressão sobre o senador peemedebista.


Mas Jarbas parece tirar de letra essas pressões, demonstrando uma paciência infinita com as especulações, que só crescem, e sobretudo com os recados em tom mais dramático.
Ele já foi "avisado", por exemplo, que da sua candidatura depende a reeleição dos dois senadores da antiga União por Pernambuco, Marco Maciel (DEM) e Sérgio Guerra (PSDB). Também já teve gente "advertindo" que se ele não for candidato, terá sido o responsável pela extinção das bancadas federal e estadual de oposição em Pernambuco.

Apelos drásticos à parte, as consequências de uma recusa de Jarbas em disputar o governo podem, sim, beirar as previsões feitas pelos aliados mais desesperados. É bem verdade que, na contra-mão da "turma da pressão", alguns deles se declaram tranquilos e absolutamente convencidos da candidatura Jarbas. Dizem que só estaria faltando o anúncio.


Entre os mais confiantes estão alguns ex-pefelistas, hoje no Democratas, em legendas-satélites ou mesmo aposentados. Embora não confessem abertamente, o motivo do otimismo é baseado no argumento de que teria chegado o momento de Jarbas pagar a conta pelo apoio integral que recebeu do PFL e do PSDB nos últimos 15 anos.


De fato, a aliança PMDB/PFL era algo inimaginável até meados de 1990, quando surgiram as primeiras notícias de que o acordo estaria sendo articulado nos bastidores. As negociações envolviam o próprio Jarbas e parte da cúpula pefelista, na época sob o comando do governador Joaquim Francisco, do senador Marco Maciel e de deputados federais de peso, como José Mendonça.


Ciente das dificuldades que teria para consolidar o projeto de se eleger governador, já que o seu PMDB não tinha bases fortes no interior, o então prefeito do Recife estabeleceu uma relação de troca com os adversários do PFL - na época os mais numerosos do Estado - que cobiçavam voltar ao comando da capital.

A aliança começou garantindo a eleição de um pefelista, Roberto Magalhães, para suceder Jarbas na Prefeitura do Recife, em 1996.
E progrediu, dois anos depois, ao assegurar a vitória do próprio Jarbas para o governo do Estado. Dessa vez, com um plus para os neoaliados: derrotar o governador Miguel Arraes (PSB), que tentava a reeleição, por uma diferença de mais de um milhão de votos.

O próximo passo seria a adesão dos tucanos, para facilitar a reeleição de Jarbas em 2002. Depois, era só cumprir a promessa de garantir que, em 2006, o herdeiro do governo fosse um pefelista, o então vice-governador Mendonça Filho.


Essa parte do acordo, porém, não deu certo. Mas vitória de Eduardo Campos (PSB) foi suficiente para que Jarbas e os aliados democratas e tucanos se distanciasse um pouco. Nas próximas semanas, porém, o senador retomará as conversas com todos eles. Começará com o presidenciável José Serra (PSDB) e passará por Marco Maciel e Sérgio Guerra, até chegar aos deputados federais e estaduais.


Se depender dos antigos aliados, a distância entre eles e Jarbas precisa diminuir novamente. E rápido. Para evitar que as previsões obscuras se consolidem e imponham às oposições no Estado uma redução ainda mais drástica que a de 2006.