segunda-feira, 6 de julho de 2009


















Uma amnésia providencial

A política, embora seja classificada como ciência, é feita no Brasil de forma empírica. Os políticos brasileiros se aproveitam da falta de memória do eleitor - desinteressado num assunto que foi tornado pouco atraente por eles próprios - para se ajustarem à conjuntura da hora, e dela tirarem o maior proveito possível.
Para quem ainda não associou os "nomes" às "pessoas", vai a tradução: Luiz Inácio Lula da Silva e José Ribamar do Sarney.

Autor da célebre frase sobre os "300 picaretas" do Congresso, lá atrás, em 1993, Lula, agora, elogia a instituição em plena crise moral, deixando claro que precisa dos "picaretas" para defender os interesses do seu governo e do seu palanque em 2010.

Se não me falha a memória - graças aos arquivos de jornais e revistas - quando ainda engatinhava na política, Lula tinha como um dos seus esportes preferidos falar mal do então presidente acidental da Nova República. E não eram críticas veladas em frases elegantes. Ele batia pesado.

Hoje, diante da urgência em evitar que o PMDB - maior partido da sua base aliada - abandone o palanque da presidenciável petista Dilma Rousseff e caia no colo do tucano José Serra, Lula dá vários exemplos clássicos de como a política brasileira é flexível, ao ponto de permitir as "adaptações convenientes".

Comecemos por examinar os partidos que lhe dão sustentação no Congresso, e alguns dos seus integrantes. Além do próprio PMDB - que abriga gente como Sarney, Renan Calheiros, Geddel Vieira Lima, Jader Barbalho e tantos outros antigos alvos do PT de outrora - Lula mantém sob suas longas asas ex-adversários da estirpe de Paulo Maluf (PP), Inocêncio Oliveira (PR) e ninguém menos que Fernando Collor de Mello (ex-PRN, hoje PTB).

Na semana passada, ficou novamente muito claro o exercício de "adaptação" do PT à conjuntura. Enquanto todos os possíveis defensores de Sarney pulavam do barco e defendiam sua renúncia para aplacar o clima escandaloso no Senado, Lula manobrou todo o seu exército petista - que já se preparava para pular na água - e o colocou à disposição do senador maranhense do Amapá. Para total constrangimento de alguns correligionários.

Puxando um pouco mais pela memória é possível relembrar o tratamento de arqui-inimigo dispensado por Lula a Sarney num passado que ambos convenientemente esqueceram. Algumas das frases mais diretas do petista:

‘‘Não há diferença entre o governo Sarney e o governo Figueiredo’’ (fevereiro de 1986);

‘‘Sarney não vai fazer reforma agrária coisa nenhuma, porque ele é grileiro no Maranhão e não vai querer entregar as terras que tomou dos posseiros’’ (julho de 1986);

‘‘Qualquer governo, comparado ao de Sarney, será socialista, tal a mediocridade de sua administração’’ (dezembro de 1986).

O ataque mais duro, porém, seria disparado por Lula em junho de 1989: "O Sarney é um grande ladrão".

Exatos vinte anos depois, o presidente da República reformulou seu julgamento sobre o presidente do Senado. Empenhado em atender seus próprios interesses eleitorais, fez questão de defendê-lo das acusações. E saiu-se com esta: ""Sarney tem uma história suficiente para que não seja tratado como uma pessoa comum".

Como resultado, garantiu alguma sobrevida ao ex-inimigo presidente do Senado, ao custo de uma "insatisfação contida" contra ele dentro do próprio PT. Que só em momentos como esses parece compreender seu real papel de massa de manobra - para usar uma expressão que os petistas muito apreciavam, no passado que Lula esqueceu.

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