sexta-feira, 3 de julho de 2009















A morte do padre Henrique

por Túlio Velho Barreto *

Com este artigo pretendo dar uma pequena contribuição à historiografia sobre um crime cometido pelo aparelho de Estado e o Comando de Caça aos Comunistas durante o regime militar (1964-85), preenchendo, assim, lacuna deixada por parte da imprensa e instituições na cobertura e nos eventos em torno dos 40 anos da morte do padre Antonio Henrique Pereira da Silva Neto. E, como pouco se escreveu ou se disse sobre a tentativa de punir os acusados pelo crime ainda nos anos 80, prestar homenagem ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) e seu procurador-geral à época, Telga Gomes de Araújo, meu pai.

De fato, em 1988, o procurador-geral de Justiça reabriu o processo sobre a morte do padre Henrique, ocorrida em 1969. Com isso, tentava impedir a prescrição do crime que vitimou um dos mais jovens, atuantes e próximos auxiliares de dom Hélder Camara. Para tanto, designou o então promotor Célio Avelino de Andrade, que, após analisar mais de três mil páginas do processo, elaborou parecer apontando as circunstâncias em que o crime ocorreu e os nomes dos envolvidos, dois dos quais, à época, já falecidos. Em seguida, entendendo não ter competência legal para oferecer denúncia-crime, que envolvia um procurador de Justiça, devolveu o processo ao procurador-geral.

Como chefe do MPPE, Telga Araújo elaborou e ofereceu inédita denúncia-crime contra os acusados pelo sequestro, tortura e morte do religioso. E designou a promotora Anamaria Torres Campos de Vasconcelos para acompanhar o processo no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Mas, apesar de o juiz Nildo Nery dos Santos, da 2ª Vara Privativa do Júri, ter acatado a denúncia-crime, o TJPE concedeu ordem para trancar a ação penal. Falava-se em "revanchismo", embora o procurador-geral baseasse a denúncia-crime exclusivamente no processo, o que já atendia aos anseios da sociedade por justiça.

Tais fatos foram amplamente divulgados pela mídia, inclusive a imprensa nacional, que noticiou os desdobramentos do processo. E eram acompanhados pela sociedade e suas entidades, que se manifestavam a favor da ação do MPPE e do julgamento dos denunciados. O País vivia a transição democrática. Em Brasília, o Congresso Constituinte finalizava a nova Carta, que restabeleceria a democracia e o Estado de Direito. Em Pernambuco, Miguel Arraes havia sido eleito em nome da esperança e seu governo gerava enormes expectativas, inclusive em relação à atuação do MPPE.

Portanto, após anos de farsas, quando os entes públicos fingiam investigar e se negavam a apontar os verdadeiros culpados pelos crimes do regime militar, em especial nos "anos de chumbo", o MPPE não se omitiu e cumpriu sua missão institucional. E assim escreveu uma bela página em sua história, antes mesmo de a Constituição Federal lhe reservar o papel de guardião dos direitos da sociedade. Infelizmente, a iniciativa do TJPE terminou por servir durante muitos anos de parâmetro para arquivar outros processos. Com isso, em 1988, perdeu-se grande oportunidade de dar novo rumo à própria democracia, que só existe se preservado o "direito à verdade e à memória".

Em 1994, enfim, o processo foi arquivado. Mas as 12 laudas da denúncia-crime foram publicadas na íntegra nos jornais do Estado em 19 de agosto de 1988 e transcritas nos Anais da Assembleia do Estado de Pernambuco, à época, a principal caixa de ressonância daqueles acontecimentos, por iniciativa do então deputado Roldão Joaquim. Como os denunciados não poderão mais pagar por seus atos, a denúncia-crime deve ser urgentemente reintegrada à história, pois ali estão os fatos, os nomes e as ações de cada um dos envolvidos no bárbaro crime. Porquanto esta história já foi contada, a sociedade tem o direito e o dever de conhecê-la.

* Túlio Velho Barreto é cientista político e pesquisador social, co-autor dos livros "Na trilha do golpe: 1964 revisitado" (2004), "A Nova República, visões da redemocratização (2005)" - ambos em parceria com este blogueiro - e "1964: O golpe passado a limpo" (2006)

Um comentário:

Anônimo disse...

EMIDIO CAVALCANTI(emidio75@uol.com.br).
Já havia lido este artigo do professor Túlio.Ele relembra seu-de maneira justa- com orgulho.Vale ressaltar o papel do então governador Miguel Arraes,que o nomeara,neste episódio.Eduardo Campos tem mantido o mesmo compromisso com a história que o seu grande avô tinha.