sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Com ou sem emoção?












Debate presidencial, hoje em dia, me lembra o tradicional passeio de buggy nas dunas do Rio Grande do Norte. Quando você contrata o motorista local, ele vai logo querendo saber se será com ou sem emoção. Os menos avisados pedem "com", e são surpreeendidos com uma série de manobras radicais, daquelas de deixar o cidadão literalmente pendurado do lado de fora do carro.


Pedir o contrário, porém, pode ser bem pior. No passeio "sem emoção", o turista não vai achar graça nenhuma em passar devagarinho pela beira de grandes dunas e abismos. Periga até sentir sono, e ficar morrendo de inveja das peripécias e gritos no carro ao lado.

Pois foi assim, "sem emoção", o primeiro debate dos presidenciáveis, ontem à noite, na televisão. Morno, sem sal, sem graça. Nenhuma manobra radical, nenhum grito exaltado. Ninguém ficou pendurado do lado de fora do carro. José Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PT), marina Silva (PV) e Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) apenas cumpriram tabela, ali, no que poderia ter sido uma oportunidade de dar uma reviravolta na campanha, para chacoalhar o eleitor.

Esperava-se uma Dilma trêmula e acanhada - e até foi, mas só no começo - diante de intensos ataques de um Serra louco para detonar o governo Lula, do qual a adversária foi a gerente. Mas enquanto a petista evitou maiores pisões na bola nas respostas, o tucano ficou aquém da sua capacidade incisiva.

Enquanto isso, a senadora Marina Silva e o ex-deputado Plínio Sampaio lutavam para garantir um espacinho junto aos telespectadores. Mas a conformada candidata verde manteve o tom de voz manso, o estilo conciliador e a postura de excessiva transparência, a ponto de elogiar programas do governo Lula, de onde desembarcou às pressas, empurrada pela adversária que estava ali ao seu lado.

Sobrou para o experiente Plínio, do alto dos seus 80 anos de idade, pegar a veia irônica do debate e até debochar da imaturidade dos concorrentes. Ganhou o eleitor pela falta de algo mais palatável por parte dos outros candidatos. Em meio às brincadeiras, conseguiu expôr todo o seu radicalismo de esquerda, sugerindo a ruptura com o grande capital, a distribuição igualitária dos lucros com o povão e as estatizações de empresas e bancos privados. Um discurso que, embora ainda palpitante em alguns corações mais jovens, tem mais ou menos a idade do próprio candidato do PSOL.

Não se deve tirar os méritos da TV Bandeirantes, pela coragem de promover o primeiro confronto da campanha, mesmo tendo que enfrentar a alta audiência de uma semifinal da Copa Libertadores no canal concorrente. No intervalo do jogo, o debate chegou a bater cinco pontos, mas em geral ficou em três, contra cerca de 30 pontos de audiência da partida de futebol. Bem mais emocionante que política, convenhamos.

A questão talvez nem seja de formato. Afinal, houve três blocos onde cada candidato pode escolher com liberdade para quem formular suas perguntas. E mesmo quando ouvia o questionamento dos jornalistas convidados, estava livre para comentar da forma que bem desejasse.

Creio que o problema da falta de emoção vem dos próprios candidatos. Seja do experiente Serra, seja da estreante Dilma. Não houve um momento sequer em que vozes tenham se levantado, ou dedos tenham sido apontados de forma acusadora. Alguém lembra dos embates históricos, como aquele em que Leonel Brizola e Paulo Maluf quase se pegaram no tapa? Ou o outro em que Lula e Ronaldo Caiado gritavam incontrolavelmente um com o outro, para desespero da mediadora?

Poderia citar vários debates presidenciais emocionantes, e de tempos não tão distantes assim. Vale, portanto, o questionamento: da redemocratização aos dias de hoje, o que mudou tanto na política, ao ponto de tirar toda a emoção do passeio?

Um comentário:

Franco Benites disse...

Sérgio, acho que tem muito a ver com a época em que vivemos. Nos debates a que você se referiu, havia aquele resquício de combatividade forjada por conta da ditadura. Havia mais paixão, de alguma maneira. Agora, o clima é de total apatia em todos os sentidos e o debate é apenas um deles. Abs.