domingo, 31 de outubro de 2010

O nordeste de Dilma















Continuidade é a palavra que deve nortear o futuro governo Dilma Rousseff (PT). Eleita sob as bençãos - e esforços - do presidente Lula, agora cabe exclusivamente a ela, a partir de janeiro, cumprir os compromissos assumidos em seu nome pelo padrinho político nos palanques e fora deles.


E isso inclui, sobremaneira, o Nordeste. Não foi a toa que Lula rearrumou a geografia política do País, migrando para cá o PT que até então estava acostumado aos redutos operários do ABC paulista e dos Estados do Sul. Desbancou, com isso, os coronéis da indústria da miséria que trocavam votos por dentaduras e sapatos e implantou aqui uma política assistencial que, se não é a melhor de todas - e não é mesmo - serviu ao menos para garantir uma das suas promessas de campanha: três refeições diárias para quem às vezes não tinha nem uma.


Agora, porém, virão as cobranças. Dilma ouviu e aprovou os compromissos assumidos por Lula em seu nome. Terá que zelar por um Nordeste que acreditou nela e lhe garantiu total hegemonia. Foram 78% dos votos no Maranhão, 77% no Ceará e 76% em Pernambuco, só para citar os principais. Mas ela venceu nos nove Estados.


Está claro que Dilma não é Lula, e e que é praticamente impossível igualar os índices de popularidade do padrinho. Mas se quiser assegurar um mínimo de aprovação ao seu governo, é aconselhável conquistar a simpatia de quem nela apostou suas fichas.


Afinal, nunca na história deste país o sofrido Nordeste brasileiro recebeu tanta atenção por parte do governo central como nos últimos oito anos. Fica difícil até mesmo à oposição negar isso. É tanto que a região terminou se revelando, reconhecidamente, um calcanhar de aquiles da campanha do candidato derrotado José Serra (PSDB).


O povo nordestino jogou alto na eleição da "candidata de Lula". E vai cobrar. As obras - independente do discurso de campanha dos tucanos - estão em andamento. Se estão no prazo, é outra discussão, mas o fato é que deixá-las de lado, depois de tantas promessas, já não é uma alternativa.

A presidente Dilma Rousseff forçosamente vai ter que olhar do Planalto Central na direção do Nordeste, no mesmo ângulo que lhe ensinou seu padrinho político. É claro que ela terá outros 19 Estados para atender. Não se trata de renegá-los. Mas se ela preza pela continuidade que tanto defendeu na campanha, espera-se que mantenha a atenção especial à nossa região.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O paraíso dos ficha-suja














A (in)decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da Lei da Ficha Limpa entristece e alarma quem, de fato, ainda espera por uma política justa e decente no Brasil. Entristece quando se vê magistrados da alta corte atados a dispositivos menores e arcaicos e alheios ao mérito das reais necessidades do País, que clama por moralidade e justiça social.

E alarma porque, uma vez no STF, instância máxima da Nação, não há mais para onde se recorrer no caso da lei não poder vigorar, graças às filigranas encontradas pela lupa dos advogados dos ficha-suja.


Um simples exame de memória vai revelar que os últimos vinte anos da política brasileira foram absurdamente surreais. Intoleráveis, para usar uma palavra adequada. Um escândalo nem aguarda o término de outro para eclodir, sem que nada seja verdadeiramente esclarecido.

Citar o mensalão como exemplo virou clichê. Mas, vá lá. Afinal, quem dos mensaleiros foi parar na cadeia? E os desmandos cometidos pelos caciques do Congresso Nacional, representados pelos senadores José Sarney, Renan Calheiros e, um pouco mais atrás, Jader Barbalho? Estão todos de volta, reeleitos.

Jader, embora ainda tenha o mandato ameaçado pela Lei da Ficha Limpa, depois da votação apertada - e empatada - do STF, depende de apenas um voto para assumir seu posto no limbo político da Câmara Alta.


Depois de duas décadas de luta da sociedade contra regime de exceção, e mais uma brigando para ajustar o processo democrático ao seu devido lugar, os políticos brasileiros parecem confundir - propositalmente - democracia com libertinagem.

Em "Os donos do poder", Raimundo Faoro profetizava, mais de meio século atrás, o cenário atual de barbárie política. O jurista enxergava no período colonial as origens da corrupção e da burocracia no Brasil, afirmando que enquanto elas foram superadas em outros países ao longo dos séculos, aqui na terrinha acabaram se incorporando à nossa estrutura política e econômica.

O fato é que a decisão do STF, tomada ontem, revela uma linha excessivamente tênue barrando a entrada dos candidatos ficha-suja. Basta uma interpretação jurídica diferenciada e gente como Paulo Maluf e o próprio Jader estarão de volta ao poder. do qual, é bem verdade, jamais foram apeados.

Outro caso emblemático de desequilíbrio da lei é o do deputado federal Paulo Rubem Santiago (PDT). Duro combatente da corrupção na política, ele agora enfrenta a ameaça de perder o próprio mandato para José Augusto Maia (PDT), ex-prefeito de Santa Cruz do Capibaribe, reconhecido pela Justiça como ficha-suja.


Se examinarmos o cenário em cada Estado, mais incongruências aparecerão, graças às brechas e fragilidades da lei, feita pelos políticos para proteger os políticos. E há quem ainda sonhe em promover no país uma reforma política avançada. Só mesmo em sonho.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Presidente Teflon








Já virou rotina, mas sempre surpreende ver o crescimento da popularidade pessoal do presidente Lula. O país, se acaba, mundo se acaba, e o homem continua intocável. Nada gruda nele. Nem Erenice Guerra, nem escândalo dos dossiês. Nada.


Ontem, Lula bateu no teto de novo: 83% de aprovação popular, aferidos pelo Instituto Datafolha. São três semanas consecutivas quebrando o próprio recorde. Um detalhe que precisa ser dito: esse índice compreende apenas os brasileiros que consideram ótimo ou bom o desempenho do presidente. Se somarmos a eles os 13% que avaliam a gestão como regular - como costumam fazer alguns gestores que não têm boa aprovação - o número vai à estratosfera: 96%.

Depois disso, é incrível que ainda existam críticos. Mas há. São corajosos 3% dos entrevistados pelo Datafolha que, remando contra a tsunami, avaliam o governo Lula como ruim ou péssimo.

Mas o problema da popularidade alta não é ofuscar os outros, e sim a si mesmo. A cegueira que números dessa grandeza podem provocar é de dar medo. Um governante menos preparado, ao constatar-se quase uma unanimidade, fica a um passo da tirania. Sem oposição, é fácil se tornar um déspota. A linha é muito tênue, e muitos já a cruzaram.

Lula, porém, por enquanto parece apenas ter pisado nessa linha. Embora só agora tenha galgado os 83% de popularidade, há muito tempo ele já não escuta as críticas da oposição. E é importante é dizer que nem todas essas críticas são destrutivas. Algumas podem - e devem - ser aproveitadas, a título de sugestão, para melhorar algum setor que não esteja bem.

O problema é que quando a popularidade sobe à cabeça, ela tapa os ouvidos e gera intolerância com quem critica. Eis a descrição de um déspota, de acordo com muitos exemplos já registrados ao longo da história.

O mais curioso disso tudo é que Lula bateu o próprio recorde durante três semanas seguidas. Exatamente o tempo de duração do segundo turno da disputa presidencial, no qual atuou mais forte que nunca como cabo eleitoral da candidata petista Dilma Rousseff.

Pior para José Serra (PSDB). Afinal, de acordo com o Datafolha, dois de cada três eleitores declarados do tucano avaliam o desempenho de Lula como ótimo ou bom. É um cenário complicado para se pensar em uma disputa equilibrada.


terça-feira, 26 de outubro de 2010

Desmantelo eleitoral *













Desde a disputa entre Fernando Collor e Lula, em 1989, o País não testemunhava uma eleição presidencial com um nível tão baixo de propaganda. A análise feita por especialistas, em matéria publicada domingo pelo JC faz todo sentido: a campanha não debateu nada de real importância para a melhoria de vida do brasileiro.


Os temas que têm permeado a discussão entre os dois candidatos e seus aliados poderiam, de fato, despertar interesse. Legalização do aborto, união civil entre casais do mesmo sexo, prevalência do estado laico e outros assuntos polêmicos deveriam suscitar um debate nacional. Talvez até plebiscitos, tamanha a sua complexidade. Mas da forma como eles têm sido abordados, fica clara uma finalidade menor, mesquinha, de municiar ataques pessoais de parte a parte.


Para refrescar a memória, nas disputas de 1994 e de 1998 Lula foi derrotado por Fernando Henrique Cardoso ainda no primeiro turno. Já os pleitos de 2002 e 2006 trouxeram duas vitórias do petista, ambas no segundo turno. O que torna as quatro eleições parecidas é que em todas elas a diferença entre os dois finalistas nas pesquisas era significativa, e isso pacificava os confrontos.


Mas a passagem de Serra para o segundo turno, aliada à uma aproximação com Dilma nas pesquisas, animaram o PSDB a partir para o tudo ou nada. Acuado, o PT reagiu no mesmo nível. O resultado é esse desmantelo a que o eleitor foi obrigado a assistir. Para muitos, só resta prender a respiração e suportar a última semana de uma campanha que não deve deixar saudades.


* Texto publicado na coluna Cena Política, do JC, em 25/10/2010

Troca de desaforos no debate
















A grande novidade do debate entre os presidenciáveis na TV Record, segunda-feira (25), foi um clima bem mais acirrado entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) que nos confrontos anteriores. Movidos pela aproximação do Dia D e pelos resultados das recentes pesquisas, os dois candidatos iniciaram o programa trocando farpas e até desaforos. Em vários momentos acusaram um ao outro de mentir e de distorcer dados e informações com objetivo meramente eleitoral. Atacaram os palanques dos adversários e cobraram posições dúbias.


Os escândalos envolvendo aliados dos dois presidenciáveis foram amplamente explorados. Sempre que teve oportunidade, José Serra citou o envolvimento da ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, “braço direito de Dilma”, com denúncias de tráfico de influência, lembrando que ela está sendo investigada pela Polícia Federal. Dilma retrucou insistindo no envolvimento do tucano com o empresário Paulo Souza, que atuou no governo de Serra em São Paulo e hoje também está sob investigação. “Você esconde Paulo Preto. Ele não foi só seu braço direito, mas o braço esquerdo e, se duvidar, a cabeça também”, disparou.


Serra chegou a defender o ex-auxiliar – responsável pelas obras do Rodoanel e de ampliação da Marginal Tietê na sua gestão – acusando os petistas de “racismo” por terem apelidado o empresário de Paulo Preto. “Eu nem conhecia esse apelido preconceituoso e racista que vocês botaram”, reclamou. O tucano ainda insinuou que o governo petista teria favorecido o senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) com cargos em troca de apoio à candidata petista.


O tom bem-humorado do debate ficou por conta da troca de farpas irônicas. Durante os quatro blocos do programa, Dilma insistiu que Serra estava “enrolando” sem responder as perguntas. O tucano reagia acusando a adversária de “ficar só no trololó” e também não responder seus questionamentos. Os momentos de humor, porém, deram lugar a situações cansativas para a ampla maioria do eleitorado, como uma extensa discussão sobre a privatização ou não do petróleo do pré-sal e uma troca de questionamentos sobre o plano nacional de mudanças climáticas.


Em termos programáticos, no entanto, mais uma vez os candidatos ficaram devendo novidades. Assuntos importantes, como saúde, educação e segurança, foram tocados muito de leve, sem maior aprofundamento e com respostas requentadas. Um detalhe que chamou a atenção foi uma disputa velada pela atenção dos nordestinos. A região mereceu citações especiais, principalmente quanto à continuidade de obras como a Ferrovia Transnordestina e a transposição das águas do Rio São Francisco.

Segundo Serra, essas ações seriam só propaganda do governo Lula mas não teriam saído do papel, e ele se comprometeu a realizá-las. Tratamento semelhante foi dado à refinaria da Petrobras em Pernambuco. Comparando a atual situação do Nordeste à vivida no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – aliado de Serra – Dilma garantiu que as obras estão em andamento e prometeu dar continuidade.


O debate terminou com um tema polêmico. O tratamento a ser dado ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). O tucano acusou a petista de assumir posição ambígua, criticando o MST e em, seguida “vestindo o boné”. Dilma, por sua vez, afirmou que o governo Lula fez mais assentamentos que a gestão de FHC disse que o MST tem uma política própria e o governo tem outra, “mas não tratamos nenhum movimento social com cacetete e repressão”, acrescentou.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Com juros e correção













Vai levar algum tempo até que as oposições em Pernambuco se recuperem do atropelamento. Pilotado pelo governador Eduardo Campos (PSB), o trator da Frente Popular passou solenemente por cima dos adversários e, não satisfeito, voltou de marcha à ré para esmagar os que porventura ainda respirassem.


Tentei montar uma imagem na cabeça do leitor na intenção de revelar todo o significado da vitória de Eduardo. Uma vitória com um forte componente de vendeta, que o governador insiste, inutilmente, em negar. Foram mais de dez anos construindo, diuturnamente, a máquina que ontem moeu o que restava a oposição no Estado.

Não se trata de um "troco" apenas pela derrota imposta por Jarbas Vasconcelos a Miguel Arraes, em 1998. Isso seria pensar com imediatismo. Embora não declare, a vingança imposta ontem por Eduardo às oposições tem muito mais juros e correção. Incide sobre antigos episódios de uma turbulenta relação entre seu avô e o ex-aliado peemedebista.


Um primeiro conflito ocorreria no distante ano de 1979. Ao retornar do exílio, Miguel Arraes planejava retomar o mandato de governador que o regime militar lhe tirara em 1962. Achava que poderia ser o nome das oposições a enfrentar Roberto Magalhães (PDS) em 1982. Mas Jarbas - comandante do PMDB estadual - bancou a candidatura de Marcos Freire, articulada enquanto o ex-governador ainda estava na Argélia.

Dali em diante, o tratamento entre os dois aliados esfriou. Mas só se agravaria em 1990, quando Jarbas disputou o governo contra Joaquim Francisco, do PFL. Candidato a deputado federal, Arraes montou uma chapinha exclusiva do PSB com o PCdoB e pouco se empenhou na campanha do peemedebista, que acabou derrotado.

Dois anos depois, viria o troco. Favorito na disputa para prefeito do Recife, Jarbas recebeu de Arraes uma condição para apoiá-lo: queria o neto, Eduardo, na vice, numa aliança PMDB/PSB. Pedido recusado, o racha se consolidaria para sempre. Arraes e Jarbas pararam de militar juntos e deixaram até de se cumprimentar.

Em 1994, Jarbas se aliaria ao PFL, enquanto Arraes vencia a disputa ao governo do Estado. "Doutor Jarbas está no caminho da perdição", declarou o socialista, na época, em tom meio profético.

Ao final do seu mandato, porém, instado por aliados a disputar a reeleição - instrumento que condenava publicamente - Arraes levaria um revés de mais de um milhão de votos nas urnas, imposto pelo rival com o apoio do PFL, na aliança que ele, Arraes, tanto condenara. Essa mesma aliança levaria Jarbas à reeleição no primeiro turno em 2002, sem chances para a Frente Popular.

Embora em 2006 Eduardo Campos tenha conseguido uma vitória sofrida para o governo sobre Mendonça Filho (PFL), graças, inclusive, ao apoio do presidente Lula, somente ontem seu projeto de vingança se completaria.

A Jarbas, agora, restam mais quatro anos de Senado e a perspectiva de despontar no plano nacional como duro adversário de um eventual governo Dilma ou aliado dedicado em uma possível gestão Serra.

Às oposições em Pernambuco, resta um esforço supremo de recomposição, que precisa ser eficiente e rápido para render dividendos já em 2012. Mas que não será fácil, dadas as rivalidades e desentendimentos entre caciques dos partidos opositores.

A Eduardo Campos, resta, no mínimo, a obrigação de fazer um governo melhor que o primeiro, e daí tentar alçar um voo mais alto, rumo ao cenário nacional. Porque em Pernambuco, ao menos politicamente, ele já cumpriu tudo o que havia planejado.