sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O paraíso dos ficha-suja














A (in)decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da Lei da Ficha Limpa entristece e alarma quem, de fato, ainda espera por uma política justa e decente no Brasil. Entristece quando se vê magistrados da alta corte atados a dispositivos menores e arcaicos e alheios ao mérito das reais necessidades do País, que clama por moralidade e justiça social.

E alarma porque, uma vez no STF, instância máxima da Nação, não há mais para onde se recorrer no caso da lei não poder vigorar, graças às filigranas encontradas pela lupa dos advogados dos ficha-suja.


Um simples exame de memória vai revelar que os últimos vinte anos da política brasileira foram absurdamente surreais. Intoleráveis, para usar uma palavra adequada. Um escândalo nem aguarda o término de outro para eclodir, sem que nada seja verdadeiramente esclarecido.

Citar o mensalão como exemplo virou clichê. Mas, vá lá. Afinal, quem dos mensaleiros foi parar na cadeia? E os desmandos cometidos pelos caciques do Congresso Nacional, representados pelos senadores José Sarney, Renan Calheiros e, um pouco mais atrás, Jader Barbalho? Estão todos de volta, reeleitos.

Jader, embora ainda tenha o mandato ameaçado pela Lei da Ficha Limpa, depois da votação apertada - e empatada - do STF, depende de apenas um voto para assumir seu posto no limbo político da Câmara Alta.


Depois de duas décadas de luta da sociedade contra regime de exceção, e mais uma brigando para ajustar o processo democrático ao seu devido lugar, os políticos brasileiros parecem confundir - propositalmente - democracia com libertinagem.

Em "Os donos do poder", Raimundo Faoro profetizava, mais de meio século atrás, o cenário atual de barbárie política. O jurista enxergava no período colonial as origens da corrupção e da burocracia no Brasil, afirmando que enquanto elas foram superadas em outros países ao longo dos séculos, aqui na terrinha acabaram se incorporando à nossa estrutura política e econômica.

O fato é que a decisão do STF, tomada ontem, revela uma linha excessivamente tênue barrando a entrada dos candidatos ficha-suja. Basta uma interpretação jurídica diferenciada e gente como Paulo Maluf e o próprio Jader estarão de volta ao poder. do qual, é bem verdade, jamais foram apeados.

Outro caso emblemático de desequilíbrio da lei é o do deputado federal Paulo Rubem Santiago (PDT). Duro combatente da corrupção na política, ele agora enfrenta a ameaça de perder o próprio mandato para José Augusto Maia (PDT), ex-prefeito de Santa Cruz do Capibaribe, reconhecido pela Justiça como ficha-suja.


Se examinarmos o cenário em cada Estado, mais incongruências aparecerão, graças às brechas e fragilidades da lei, feita pelos políticos para proteger os políticos. E há quem ainda sonhe em promover no país uma reforma política avançada. Só mesmo em sonho.

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