sexta-feira, 30 de abril de 2010
A perversa lógica de se negar a política
Vinícius Werneck B. Diniz
www.papopolitico.com.br
Muita coisa aconteceu entre a famosa frase de Aristóteles configurando o homem como um animal político (politikon zoon) e os recorrentes estudos científicos que tentam explicar a descrença generalizada com relação à política. Em muitos contextos, conversar sobre política proporciona interessantes contrações faciais nos ouvintes, sutilmente desaprovando a emergência de tão desagradável tópico.
Ter um filho político tornou-se algo que algumas famílias procurariam esconder. Nas recentes pesquisas acadêmicas têm-se notado um fenômeno interessante: além dos clássicos personagens frequentemente encarnados pelos candidatos – o gerente, o pai de família, o zeloso, o self-made man -, criou-se a figura do técnico. A característica mais notável dessa persona encontra-se no fato que ele se considera livre de qualquer politicidade. O candidato escolhe para si a imagem da frieza técnica, de alguém que encontra um problema e sabe o que fazer para consertá-lo. Chega ao extremo de dizer que não é político nem pretende sê-lo, como se a política fosse o lugar que deve ser negado.
Negar o reino da política não é uma postura sem prejuízos: ela favorece uma lógica perversa, que, por vezes, afasta da participação aqueles realmente interessados no bem comum. Cada cidadão que abdica da participação política por considera-la improdutiva ou mesmo negativa, certamente está tornando mais fácil o caminho para aqueles que se aventuram na política institucional para favorecimento próprio.
Participamos da política diariamente, sem percebermos. Estamos atuando politicamente quando nos relacionamos com os vizinhos, quando decidimos saber ou não o nome do porteiro, quando enviamos um telegrama a uma família conhecida que acabou de enterrar um dos parentes. Somos políticos quando precisamos resolver como organizar o almoço de arrecadação de fundos de uma igreja – ou quando queremos justamente impedir que alguém se case na igreja. Somos políticos quando conversamos em família para decidir onde serão passadas as próximas férias – e também o somos quando decidimos unilateralmente e notificamos os demais familiares.
Política, não sem motivo, vem da raiz polis, que significava cidade na antiga grécia. Foi após a formação das cidades – à época unidades com grande autonomia – que surgiu também o conceito polites (cidadão). As palavras inglesas politics, policy e police têm todas a mesma origem grega no termo polis. A língua portuguesa traduz politics e policy em apenas uma palavra: política. Quando dizemos “qual a política do condomínio em relação a animais?” estamos nos referindo a policy (também usado na expressão “políticas públicas”). Quando falamos sobre política como a ciência de governar (Aristóteles), ou mesmo em um sentido mais amplo, que envolva as atitudes cotidianas dos cidadãos comuns, estamos utilizando o conceito politics. Police, contemporaneamente traduzido como polícia, foi, durante um tempo, intercambeável com o termo policy. Manter a ordem era afinal, uma política pública, e essa política (policy/police) ia para a rua tomar forma.
E o que não é a política, se não nossa prática de convivência diária na polis? Considerar-se alheio ao processo político – além de pouco produtivo para a melhoria das condições coletivas – é também uma ação política. É uma ação política, por que possui resultados coletivos, implicações amplas e é, em última instância, exercício de liberdade individual. Não é necessário que todos se obriguem a participar da política partidária, mas certamente demonizar essa ou qualquer esfera da práxis política só favorece aos espertos interessados em garantir tranquilidade financeira às custas do erário público.
Florestan Fernandes
Mitos como o de se autopropalar apolítico ou não-ideológico são muitas vezes favoráveis à manutenção do status quo. Gramsci citava constantemente uma frase de Marx, defendendo que “a teoria se transforma em poder material tão logo se apodera das massas”. Independente de qualquer juízo de valor sobre as teses gramscianas, é bastante consensual que conhecimento tem grandes conexões com poder. Manter a população minimamente satisfeita é uma estratégia utilizada em Roma (Panis et circenses), propagada por Maquiavel (“O Príncipe”), denunciada por Florestan Fernandes (“Sociedade de classes e subdesenvolvimento”), analisada por Robert Dahl (“Poliarquia”) ad aeternum. Isso não impediu que o século XXI fosse um espectador da mesma forma ingênua de dominação de poucos sobre uma maioria.
Perceber-se como um ser ideológico e político veste de legitimidade as posições individuais, mesmo aquelas de afastamento voluntário da participação política institucional. Se já é difícil decidir qual filme ver no cinema, quando a outra pessoa se recusa a opinar, imagine a complexidade de cuidar de um país inteiro, ou mesmo uma cidade ou condomínio.
Churchill disse da democracia: “Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais.” Da mesma forma podemos dizer da política ou da ideologia: ninguém diz que a busca coletiva para o bem comum, o debate, a discussão de ideias ou a dialética são perfeitas ou sem defeito. São, talvez, as piores opções – depois de excluir todo o resto. Talvez uma alternativa ainda esteja por ser inventada. Mas, certamente, o inventor precisará da política, do debate e da dialética para convencer o resto do mundo que eles estão de costas na caverna de Platão.
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