terça-feira, 6 de abril de 2010
Dilúvio político
As chuvas que caem desde ontem no Rio de Janeiro são, de fato, um caso grave. Fiquei plenamente convencido disso quando li que o presidente Lula foi obrigado a cancelar um evento previsto para hoje pela manhã, no Morro do Alemão, subúrbio carioca.
Ele iria inaugurar uma creche e uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), feitos com recursos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), carro-chefe da sua administração - e da campanha da ex-ministra Dilma Rousseff, presidenciável do PT.
Mas o presidente não cancelou uma entrevista à Rádio Tupi, concedida diretamente do Hotel Copacabana Palace, na zona sul do Rio. Ainda bem. Se ela também tivesse sido desmarcada, os brasileiros não ficariam sabendo que Lula é radicalmente contra o uso da máquina pública nas campanhas eleitorais.
Parece piada. Mas até onde se sabe, o presidente é um político sensível, que não é dado a contar anedotas enquanto uma cidade e seus habitantes vivem um caos total. O que significa que ele, talvez, tenha mesmo falado a sério.
Segundo o presidente, é preciso respeitar os "ideais republicanos" do País, e provar que é possível passar por um processo eleitoral sem usar a máquina pública, "como já ocorreu antes".
Mas a partir desse ponto da entrevista, parece ter batido certa amnésia. Lula esqueceu de citar quando teria sido esse "antes". Não disse se teria, por acaso, acontecido durante o lançamento de alguma ação do PAC. Ou em alguma visita às obras em andamento, nas quais ele costumava levar a tiracolo a ministra-candidata Dilma Rousseff.
Não. Lula não citou exemplos de uso da máquina pública. Nem disse, sequer, se teriam sido seus adversários tucanos que lançaram mão desse instrumento durante a campanha de reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Se o fizeram, Lula não lembrou naquele instante. Talvez venha a se recordar durante a campanha de Dilma.
O presidente também jurou que não conhece o teor das multas que lhe foram aplicadas pela Justiça Eleitoral por fazer campanha antecipada para a presidenciável do PT. Limitou-se a comentar que "os advogados" estão encarregados desse trabalho.
Referia-se à Advocacia Geral da União, órgão encarregado da defesa do presidente e do governo. Que menos de vinte e quatro horas após a segunda multa ser aplicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entrou com um recurso contra a punição.
E ao concluir a entrevista, enquanto o Rio de Janeiro submergia, o presidente tranquilizou a todos, informando que já orientou os ministros sobre como se portar durante a campanha. Garantiu que a sua prioridade é governar o País, embora tenha admitido que poderá vir a participar da campanha de Dilma, mas sempre fora do horário de expediente.
Como se presidente da República marcasse cartão de ponto.
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