terça-feira, 22 de dezembro de 2009











De boca fechada


Na ânsia de ser mais realista do que o rei, o senador Aloísio Mercadante (PT-SP) perdeu uma oportunidade de ficar calado. Em vez de fustigar os adversários tucanos, seguindo o exemplo do presidente Lula, seu líder maior, o bairrista Mercadante resolveu criticar um aliado, o deputado e presidenciável do PSB, Ciro Gomes. Como resultado, criou um caso desnecessário na base governista.


Aloísio Mercadante está inserido no grupo do PT paulista que não digeriu a transferência do domicílio eleitoral de Ciro Gomes, do Ceará para São Paulo, a pedido do próprio Lula. Ontem, em entrevista à Rádio Jornal, ele caprichou na ironia ao afirmar que Ciro, nascido em Pindamonhangaba (SP), "pegou o pau-de-arara ao contrário" ao se transferir para o Ceará.

Além da extrema grosseria com o aliado e de gerar a ira dos socialistas, a referência ao caminhão pau-de-arara soou como mais um sinal de preconceito de um paulista contra os nordestinos. É verdade que o pernambucano Luiz Inácio Lula da Silva migrou de pau-de-arara para São Paulo, onde lutou muito, fez carreira e chegou à Presidência da República. Mas não foi o suficiente para que a expressão deixasse de ser usada de forma excusa pelos nossos compatriotas do Sudeste.

No caso específico, porém, o que Mercadante conseguiu com a declaração "aloprada" - como resumiu o deputado Márcio França (PSB) aliado de Ciro Gomes em São Paulo - foi atrapalhar uma delicada costura de alianças que o presidente Lula vem trazendo na ponta dos dedos. Uma articulação que visa, inclusive, garantir que o próprio Mercadante não passe, em 2010, da cômoda posição de governista para a desconfortável categoria de oposição.

Hoje cedo, depois das repercussões das declarações, Mercadante procurou a Rádio Jornal para desfazer o mal-estar. E piorou as coisas, ao afirmar ter usado o termo "pau-de-arara" como forma de "combater o preconceito". Difícil explicar essa, não? Foi além: elogiou o presidenciável e seu partido e justificou ter ouvido a expressão da boca do próprio Ciro Gomes. Por isso, repetiu.


É fato que a candidatura presidencial do PSB já nasceu fazendo água, diante da força governista de Dilma. Mas Lula, habilidoso, contemporizou, pedindo que Ciro transferisse o domicílio eleitoral para São Paulo como opção para uma eventual candidatura ao governo daquele Estado. E desde então, tem tratado a questão com toda cautela, para não melindrar o PSB, um aliado de primeira linha.

Mesmo que esteja disposto a minar a postulação do socialista - o que pode fazer num piscar de olhos - Lula jamais demonstrou. Nunca tratou a iniciativa com desprezo, desdém ou preconceito. Pelo contrário, tem argumentado que um palanque duplo pode ser útil aos governistas em 2010, até para ajudar a vitória de Dilma Rousseff (PT).

Ontem, enquanto Mercadante largava sua abobrinha, Lula retomava a diplomacia. Em café da manhã com jornalistas, o presidente afirmou que, se perceber que o "jogo político" não comporta dois candidatos da base aliada, será leal o suficiente para negociar com o PSB a retirada de Ciro Gomes. É o máximo que ele, como coordenador do processo sucessório, pode chegar. Faltou dizer isso a Mercadante.

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