sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
E Lula quebrou o tabu...
Após oito anos no poder, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixa, amanhã, o Palácio do Planalto. E sairá levando debaixo do braço um índice recorde de 87% de aprovação e um lugar garantido no pódio da história política contemporânea do Brasil.
Mas é preciso admitir - parafraseando o próprio Lula - que nunca antes na história deste País se viu tanta polêmica em torno de uma única pessoa. Embora tenha estabelecido uma relação de absoluta confiança com as classes menos favorecidas, Lula ainda desperta o descrédito - e até algum ódio - em muita gente. Sobretudo nas elites.
É fácil explicar a aprovação ao petista. Difícil é justificar sua rejeição. Afinal, beneficiado com a política econômica que herdou dos tucanos, Lula consolidou a estabilidade financeira, tirou mais de 20 milhões de pessoas da linha de miséria, transformou o tsunami da crise mundial em uma marolinha e ampliou nossas fronteiras internacionais. Entre outros feitos que muita gente jamais pensou que pudessem acontecer.
É verdade que houve o mensalão. Também houve uma relação suspeitíssima com velhos caciques políticos do País. Houve loteamento de cargos, aparelhamento do Estado e, para coroar, a indução de uma candidatura presidencial com a força da máquina pública.
Mesmo assim, Lula conseguiu contrariar a tradição de que presidentes do Brasil só deixam o cargo desgastados e sem prestígio popular. A dúvida que resta, porém, é se Dilma Rousseff (PT), com toda a estrutura que herdará do padrinho político, conseguirá repetir a quebra desse tabu.
Dilma não é Lula, não fala como Lula, não age como ele. Os mais próximos garantem, porém, que Dilma pensa como Lula. Se assim for, já é um bom começo. Não custa dar à nova presidente um voto de confiança, e desejar a ela - e a todos os brasileiros - felizes 2011, 2012, 2013 e 2014.
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Segredos públicos
Transparência é uma palavra longa e bonita, e muita gente enche a boca para pronunciá-la. Mas na hora de seguir à risca seu significado, termina deixando a desejar. Alguns políticos, por exemplo, quando questionados sobre assuntos que demandam transparência, costumam tegiversar. E poucos são os mandatários conscientes de quem é seu verdadeiro chefe.
É o povo. A sociedade. O eleitor. E é a eles - acima de qualquer outra instância - que esses políticos devem satisfações sobre suas ações. Principalmente quando envolvem dinheiro público, arrecadado com impostos suados pagos pelo contribuinte.
Hoje à tarde, o presidente estadual do PSB, Milton Coelho, confirmou esse exemplo, ao recusar-se novamente a revelar quanto o partido gastou com a organização, produção e divulgação da festa oferecida ao presidente Lula ontem, no Recife antigo. Festa encomendada, é bom que se diga, pelo governador Eduardo Campos, presidente nacional do PSB, para agradecer pela atenção do aliado petista a Pernambuco nos seus oito anos de mandato.
No entendimento de Milton Coelho - prefeito do Recife em exercício, substituindo João da Costa (PT), licenciado - o PSB só tem obrigação de prestar contas ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), e tem prazo até abril de 2011 para tanto.
Está certíssimo, prefeito! Pela lei, é da competência exclusiva da Justiça Eleitoral analisar e julgar as contas dos partidos políticos com gastos do Fundo Partidário. Mas essa é apenas a questão legal. Não se pode, porém, jogar o aspecto do mérito na lata de lixo. Se um político ou uma agremiação política primam, verdadeiramente, pela transparência - e não apenas a utilizam como peça de retórica - deveriam exercê-la com plenitude.
Fala-se em um custo de R$ 162 mil. Há algum mistério nesse orçamento? Algum gasto foi irregular? É provável que não, afinal, como partido líder da aliança que governa o Estado, o PSB deve, e tem dado exemplo de retidão nas suas prestações de contas.
A mega-festa para o presidente Lula, no Marco Zero, é bom frisar, foi justa e merecida. Até porque, nunca antes na história deste Estado se viu tanto investimento e apoio do governo federal a obras e ações que beneficiam a população. Foi uma bela noite de forró e muita emoção, tanto para o homenageado como para quem compareceu. Muitos artistas populares, muita animação, música excelente.
Será que vale mesmo a pena arranhar esse cenário por tão pouco, com essa inexplicável resistência em informar ao povo quanto ele - o povo - pagou pela festa?
* Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Quem precisa de terapia?
Final de mandato, para muitos políticos, costuma representar um alívio. Mas para o presidente Lula, a expectativa de passar a faixa adiante parece estar se transformando num elemento de desequilíbrio profundo. Só isso poderia explicar o destempero e o comportamento bipolar a cada aparição pública.
Hoje cedo, no Maranhão, Lula voltou a protagonizar cenas no mínimo indignas do cargo. Questionado por um jornalista se seria grato pelo apoio que recebeu da "oligarquia dos Sarney" ao longo do seu governo, o presidente descompensou: além de classificar a pergunta de "preconceituosa", ainda mandou o repórter "se tratar, fazer psicanálise".
Na realidade, é o presidente quem parece estar sofrendo de algum transtorno psíquico. Amnésia, para dizer o mínimo. De que outra maneira ele poderia justificar a veemente defesa que faz agora dos Sarney, depois de tantas denúncias e escândalos envolvendo todo o clã?
Lula parece ter esquecido, por exemplo, dos indiciamentos do filho mais velho do coronel maranhense, o empresário Fernando Sarney. Seja por formação de quadrilha, tráfico de influência e falsificação de documentos, seja por envio de dinheiro ilegal ao exterior.
E o que dizer dos outros filhos do coronel? Será que Lula esqueceu da condenação do deputado federal Zequinha Sarney pela Justiça Eleitoral por propaganda antecipada em 2006? Ele virou ficha-suja e foi proibido de disputar a reeleição este ano, mas misteriosamente o TRE do Maranhão voltou atrás alguns dias depois, liberando o registro da candidatura.
Ah, presidente, o senhor também não lembra do escândalo Lunus? Aquele que detonou a candidatura de Roseana Sarney à Presidência da República, em 2002, e ainda terminou por causar sua derrota na disputa pelo governo do Maranhão quatro anos depois.
Seria bom relembrar a Lula que, atendendo a um pedido de Fernando Sarney, o desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, proibiu o jornal O Estado de S. Paulo de publicar notícias sobre seu indiciamento, restabelecendo no Brasil uma prática de censura que não se via desde o regime militar. Embora medidas dessa natureza pareçam contar hoje com a simpatia de alguns setores petistas.
Mas ao defender José Sarney, presidente Lula, o senhor parece que esqueceu mesmo de uma famosa frase: "Ademar de Barros e Paulo Maluf podiam até ser ladrão, mas eles eram trombadinha perto do grande ladrão que é o governante da Nova República, perto dos assaltos que faz”.
A ausência de plurais dá uma pista sobre quem fez a declaração, não? Se você disse Lula, acertou. O desabafo aconteceu em 1987, num improvisado discurso em Aracajú, quando o então presidenciável petista não escondia o "ódio" pelo clã dos Sarney.
Mas hoje cedo, no Maranhão, a declaração foi bem outra. A um mês de desembarcar na planície, e certo de que já não precisa mais das atenções da imprensa como em 1987, Lula afagou publicamente os Sarney, agradecendo pelo apoio à sua administração. E vociferou contra o repórter que o questionou:
"Sua pergunta preconceituosa é grave para quem está há oito anos comigo em Brasília. Significa que você não evoluiu nada do ponto de vista do preconceito, que é uma doença. Sarney é o presidente do Senado. E colaborou muito para que a institucionalidade fosse cumprida. Você devia se tratar, quem sabe fazer psicanálise, para diminuir um pouco esse preconceito".
Depois dessa, só resta à imprensa brasileira despedir-se e agradecer a atenção dispensada, presidente Lula.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Os leões de Dilma
Deve começar bem agitada a semana da presidente eleita Dilma Rousseff (PT), que voltou da Coréia do Sul no sábado passado. Ao retomar os trabalhos de transição e as costuras para compor sua futura equipe, ela terá que matar o primeiro leão antes mesmo de assumir o poder. Trata-se da acirrada disputa por cargos entre o PMDB – que não abre mão dos seis ministérios que ocupa hoje no governo Lula – e o PT, que cobiça pelo menos dois deles: Saúde e Comunicações.
E este é só o começo. Depois do crescimento vertical nas urnas, o PSB do governador Eduardo Campos também pleiteia ministérios de peso. Embora oficialmente os socialistas insistam que não condicionam apoio a cargos, nos bastidores já mandaram o recado: não vão mais se contentar com pastas de pouca evidência, como a da Ciência e Tecnologia.
No alvo do PSB estão, no mínimo, dois ministérios importantes: Integração Nacional e Cidades. O primeiro está atualmente na cota dos peemedebistas. O outro, nas mãos do PP, que não só deseja mantê-lo como sonha em ampliar seus espaços.
Além dos leões mais vorazes, Dilma ainda terá que afagar os menos famintos, como o PDT, o PCdoB e o PR, com bancadas parlamentares expressivas. Mas com um padrinho político experiente como o presidente Lula, é provável que ela tenha sido bem preparada para isso. Afinal, ninguém melhor que Lula para advertir que depois de cada eleição os leões podem até demorar, mas sempre aparecem para cobrar a fatura.
* Texto publicado na coluna Cena Política, do JC, em 15/11/2010
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Em bom português...
Francisco Everardo Oliveira Silva sabe ler e escrever. Bem ou mal, não importa. Importa o fato de que ele não é analfabeto e, portanto, está apto a receber o diploma de deputado federal, mandato que lhe foi conferido, em outubro passado, por cerca de 1,3 milhão de eleitores de São Paulo.
Hoje pela manhã, no Tribunal Regional Eleitoral, Francisco Everardo leu dois títulos e dois subtítulos de um jornal. Depois, escreveu uma frase com 18 palavras, ditada por um juiz e retirada do livro "Justiça Eleitoral, uma retrospectiva". O teste levou pouco mais de três horas para ser realizado. Mas, é daí? Fez o que pediram. Comprovou que sabe ler e escrever, conforme afirmou em sua inscrição no pleito de outubro.
Famoso por seu desempenho artístico, Francisco Everardo recebeu 1.353.820 votos. Na história eleitoral de São Paulo, ficou atrás apenas do já falecido Enéas Carneiro (Prona), que abocanhou quase 1,5 milhão de votos.
O detalhe é que o doutor Enéas era figurinha carimbada na política, com três candidaturas presidenciais nas costas quando disputou a Câmara dos Deputados, e com sua votação - graças à matemática eleitoral perversa adotada pela legislação brasileira - arrastou consigo mais cinco deputados do Prona. Todos com menos de mil votos nas urnas.
Francisco Everardo, por sua vez, não sabia sequer o que vinha a ser filiação partidária quando, em setembro de 2009, foi convidado a ingressar no PR para ser candidato a deputado federal.
A estratégia dos caciques funcionou bem: eleito, Francisco Everardo arrastou consigo outros três novos parlamentares. Entre eles, o delegado da Polícia Federal Protógenes Queiroz (PCdoB). Que mesmo com a notoriedade nacional do comando da Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas e outros acusados de fraude, só obteve 94.906 votos nas urnas. Sua sorte foi o PCdoB estar coligado ao PR do campeão de votos.
Com todos esses detalhes, ainda não sabe de quem estamos falando? Então, vai a última pista. O slogan de Francisco Everardo virou notícia no País inteiro: "Vote no Tiririca, porque pior que tá, não fica!" Pois é, trata-se do palhaço, malabarista, cantor, compositor, humorista e, agora, deputado federal Tiririca. Que depois de receber os votos de mais de 1,3 milhões de eleitores, enfrentava a ameaça de cassação sob suspeita de ser analfabeto, o que é proibido por lei aos candidatos a cargos públicos.
Na realidade, o problema não está no candidato, mas na lei que rege as eleições. Que de tão frouxa e cheia de brechas, permite a inscrição de postulantes como Tiririca. Não concordo que ele seja a cara do nosso Congresso Nacional, como andam dizendo por aí. De fato, nem todos são palhaços ali. Mas se Tiririca teve a candidatura homologada pelo TRE, fez campanha livremente e foi sufragado nas urnas, tem o mesmo direito de assumir o mandato que os demais 512 colegas deputados.
Principalmente agora, quando a Justiça Eleitoral constata que ele, bem ou mal, sabe ler e escrever. Sem falar que a manutenção do mandato de Tiririca respeita a vontade soberana do eleitor. Não interessa se votou bem ou mal. Votou nele.
Resta esperar, portanto, que o mais novo político brasileiro cumpra a promessa repetida tantas vezes nos programas do guia eleitoral de TV, quando, com ar humilde, dizia: "O que faz um deputado federal? Na realidade, eu não sei. Mas vote em mim que eu te conto". Então conta, Tiririca.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
Enem aí!
Na época em que prestei vestibular, o exame era unificado. O estudante fazia apenas uma prova para disputar as vagas nas universidades Federal e Católica. Foi um suplício.
Não que não estivesse preparado, mas o clima de terror que se cria em torno do vestibular sugere que virar noites, frequentar aulas dirigidas e estudo em grupo, quebrar a munheca de tanto repetir testes, perder o lazer e as festas com família e amigos não vale de nada na hora da prova. O "fera" fica nervoso, gelado. Uma sensação de insegurança que, na maioria das vezes, passa nos primeiros minutos. Mas para outros, infelizmente, só piora.
Por isso fiquei feliz em ver o "unificado" ser substituído pelo formato "peneirão", seguido das provas específicas. Mas mudou o governo, e como sempre acontece neste País, tinham que mexer em alguma coisa. Quando inventaram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), foi como se tivessem ressuscitado o danado do "unificado". Só que num grau bem maior de incompetência por parte de quem formula e de quem aplica as provas.
Não fosse assim, o Enem não frequentaria as manchetes negativas dos jornais todo ano. E dá pena ver a expressão de ansiedade dos "feras". Não por se sentirem despreparados, mas por não ter a certeza de que seu esforço vai dar em algo. Simplesmente pagam o pato pelos vacilos dos organizadores. E mais uma vez, o que se viu foram vacilos. Na logística, na impressão das provas e na repetição de erros menores que há muito deveriam ter sido corrigidos.
Aliás, o processo de seleção das universidades há muito já deveria ter sido radicalmente modificado, com o fim dos vestibulares e a aceitação de alunos mediante a avaliação de notas recebidas ao longo da sua vida estudantil. Esse sim, seria um processo estimulante desde o tenro início e, de fato, selecionaria as melhores cabeças para as melhores universidades.
Nos últimos anos, o Brasil deu passos largos em vários aspectos da vida social. Mas nesse caso específico do Enem, lamentavelmente continua andando para trás.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
O rei não está morto
Mesmo faltando apenas dois meses para deixar o cargo, o presidente Lula ainda provoca polêmica. No começo da semana, ao comentar a eleição de Dilma Rousseff, ele deixou todo mundo tonto. Primeiro, garantiu que Dilma governará de fato e de direito, sem interferências suas na gestão. "Rei posto, rei morto!", disparou. No dia seguinte, porém, em conversa com jornalistas, já estava sugerindo que a futura presidente deveria manter os atuais comandantes da equipe econômica, Guido Mantega (Fazenda) e Henrique Meirelles (Banco Central).
Se isso não é dar pitaco no governo alheio, o que é? Uma sugestãozinha à toa?
Para completar, no fim da semana o "Cara" extrapolou de novo. Voltou a afirmar que a partir de janeiro todo poder será conferido exclusivamente a Dilma. Para, em seguida, anunciar sua "total disposição" de viajar pelo País em busca de apoio para aprovar uma reforma política o mais ampla possível.
Diante do exposto, duas perguntas surgem de imediato. Primeiro: por que somente em 2011, na condição de ex-presidente, Lula decide lutar por uma reforma política que durante dois mandatos não conseguiu aprovar no Congresso Nacional? Não conseguiu ou não teve interesse. Afinal, é fato sabido que pelo menos 80% dos senadores e deputados não tinham o menor interesse em tocar tal proposta, que mexeria no confortável status quo político-eleitoral de muitos deles.
Mas, e Lula? Qual o interesse dele em aprovar a reforma política depois de ter deixado o cargo? Conhecendo o estilo do ainda presidente, é possível levantar ao menos uma tese: Vários esboços de reforma que dormem nas gavetas do Legislativo incluem a proposta de ampliação dos mandatos dos prefeitos, governadores e presidentes da República, de quatro para cinco anos. Em compensação, prevêem a extinção do dispositivo que permite a reeleição dos governantes. E uma vez enterrado esse instrumento, Dilma Rousseff não poderia mais ser candidata do PT em 2014.
Pensando nessa perspectiva, Lula poderia estar imaginando voltar ao poder nos braços do povo. Será que oito anos no Palácio do Planalto não foram o bastante para ele? Parece que não, embora alguns aliados assegurem que não passa pela sua cabeça a intenção de retomar o poder, nem em 2014 nem em 2018.
Pode ser. Mas após a posse de Dilma haverá tempo para avaliar se Lula está mesmo disposto a levar adiante a ideia de se "aposentar". Por enquanto, foram apenas umas poucas intromissões, sem maiores consequências, nas declarações que deu sobre o governo da sucessora. Resta esperar para avaliar seu comportamento a partir de janeiro, quando estiver, enfim, na planície. Há quem aposte que ele não vai conseguir se acostumar...
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Abrindo o bico
Nos Estados Unidos, quando um presidente conclui seu segundo mandato não pode mais concorrer a cargos eletivos. Mais que isso, é praxe naquele país o ex-presidente se ocupar com fundações, diplomacia, caridade ou qualquer outro assunto que não a política eleitoral vigente.
No Brasil, a coisa acontece ao contrário. Oito anos depois de ter deixado o cargo, Fernando Henrique Cardoso continua falante. Durante os dois mandatos de Lula, não foram poucas as ocasiões em que o tucano ocupou a mídia nacional para polemizar com seu principal adversário.
Agora, encerrado o processo eleitoral, ei-lo de volta ao noticiário. Desta vez, porém, embora mantendo o estilo polêmico, FHC partiu para cima do seu próprio partido. Em entrevista à Folha de S. Paulo, na terça-feira, o ex-presidente resolveu revelar toda a insatisfação que sentiu ao longo da campanha com o candidato José Serra e o PSDB.
Um descontentamento, é bom que se diga, que tem algum fundamento. Entre outros pontos, FHC reclamou que seu governo ficou refém dos ataques petistas, sem ninguém que o defendesse. Sobretudo com relação às privatizações, alvo de duras críticas por parte de Dilma Rousseff.
Mas FHC foi duro, também, com o setor de comunicação da campanha tucana, que segundo ele ateve-se ao trinômio comum “saúde, educação, segurança”. Para o ex-presidente, tais assuntos são redundantes para o eleitor. “A verdadeira questão é como você transforma em problema algo que a população não percebeu ainda como problema. Liderar é isso. Abrir um caminho”, disparou.
A revanche de FHC, porém, ficou mais clara quando ele acusou o PSDB de ficar “enrolando” demais para anunciar a candidatura Serra. E estipulou um prazo que considera adequado para definir o nome para a sucessão de Dilma: 2012.
É claro que, ao pensar num prazo tão longo, o ex-presidente - que está longe da ingenuidade - sabe que está enterrando uma eventual candidatura do governador eleito Geraldo Alckmin, que jamais deixaria o mandato em São Paulo faltando mais de dois anos para a eleição.
FHC também sabe que sua sugestão fortalece o mineiro Aécio Neves, que como senador não teria impedimentos maiores para se colocar no páreo presidencial mesmo dois anos antes.
Mas o que FHC deixou transparecer mais claramente na entrevista foi o clima de divisão interna que cerca os tucanos neste pós-eleições. Principalmente quando ele próprio, como presidente de honra do PSDB, e depois de ter ocupado o maior posto a que um partido pode chegar no País, procura - com o tom crítico - se desvencilhar de qualquer culpa pela derrota do seu partido nas urnas.
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Intolerância fratricida
Um dia depois de proclamado o resultado oficial do segundo turno, alguns serristas decidiram chamar a atenção para si, após a derrota do seu candidato a presidente. Invadiram o twitter com uma tentativa de campanha ao estilo Ku Klux Klan, depreciando os nordestinos. O motivo da diversão? Culpar os eleitores da região - donos de 28% dos votos do País - pela vitória da petista Dilma Rousseff.
Uma iniciativa como essa, longe de merecer uma discussão mais profunda, deve ser vista como um mero surto de "jus esperneandi". O esperneio de quem não sabe perder e precisa culpar alguém, que não seu próprio candidato, pelo fracasso nas urnas. Atacar os nordestinos foi a via mais fácil encontrada. Afinal, Dilma venceu José Serra nos nove Estados da região, e em alguns deles, ficou com mais de 70% dos votos.
Mas a matemática, ainda bem, é uma ciência exata. E na ponta do lápis, é possível constatar que os nordestinos apenas aumentaram a vantagem que Dilma obteve no resto do País. Nas regiões Norte, Centro-Oeste, Sul e Sudeste, ela recebeu 1.873.507 votos a mais do que José Serra. E se o tucano venceu a disputa no Sul, no vizinho Sudeste ele foi derrotado por Dilma com uma vantagem de 1.630.614 votos.
Não é a primeira vez que gente "instruída" do Sul Maravilha prega contra o Nordeste. É fácil, porque sempre foi a região mais carente do Brasil. Que somente no governo Lula passou a receber um pouco mais atenção, embora isso ainda se traduza em ações meramente assistenciais. Mas ao contrário do que pregam, de barriga cheia, alguns setores da suposta intelectualidade nacional, a mesada do Bolsa-Família ainda é melhor que a fome e a miséria.
Independente do que se pense de Lula, Dilma ou mesmo Serra, o importante é não alimentar a tentativa irresponsável de sectarizar ainda mais uma eleição que, de tão baixo nível, criou no Brasil duas facções praticamente inimigas. Uma ferida que vai demandar tempo e muito esforço político para cicatrizar.
Idiotice é jogar combustível nessa fogueira, sem medir as consequências. Já houve no Brasil uma campanha no sentido inverso. Um grupo defendia que o Nordeste fosse declarado independente do restante do País. Não havia internet, mas era outra iniciativa sem pé nem cabeça, tal qual essa a que assistimos agora.
Seria bom, portanto, desmontar os palanques, reconhecer a derrota e aprender a conviver com ela. Afinal de contas, acima de todas as diferenças, quem votou em José Serra, Marina Silva, Plínio de Arruda Sampaio ou qualquer outro candidato - e mesmo aqueles que, insatisfeitos com a falta de melhores opções, anularam o voto - vive e mora no Brasil. E até onde a história mostra, a briga entre irmãos sempre acabou em tragédia.
domingo, 31 de outubro de 2010
O nordeste de Dilma
Continuidade é a palavra que deve nortear o futuro governo Dilma Rousseff (PT). Eleita sob as bençãos - e esforços - do presidente Lula, agora cabe exclusivamente a ela, a partir de janeiro, cumprir os compromissos assumidos em seu nome pelo padrinho político nos palanques e fora deles.
E isso inclui, sobremaneira, o Nordeste. Não foi a toa que Lula rearrumou a geografia política do País, migrando para cá o PT que até então estava acostumado aos redutos operários do ABC paulista e dos Estados do Sul. Desbancou, com isso, os coronéis da indústria da miséria que trocavam votos por dentaduras e sapatos e implantou aqui uma política assistencial que, se não é a melhor de todas - e não é mesmo - serviu ao menos para garantir uma das suas promessas de campanha: três refeições diárias para quem às vezes não tinha nem uma.
Agora, porém, virão as cobranças. Dilma ouviu e aprovou os compromissos assumidos por Lula em seu nome. Terá que zelar por um Nordeste que acreditou nela e lhe garantiu total hegemonia. Foram 78% dos votos no Maranhão, 77% no Ceará e 76% em Pernambuco, só para citar os principais. Mas ela venceu nos nove Estados.
Está claro que Dilma não é Lula, e e que é praticamente impossível igualar os índices de popularidade do padrinho. Mas se quiser assegurar um mínimo de aprovação ao seu governo, é aconselhável conquistar a simpatia de quem nela apostou suas fichas.
Afinal, nunca na história deste país o sofrido Nordeste brasileiro recebeu tanta atenção por parte do governo central como nos últimos oito anos. Fica difícil até mesmo à oposição negar isso. É tanto que a região terminou se revelando, reconhecidamente, um calcanhar de aquiles da campanha do candidato derrotado José Serra (PSDB).
O povo nordestino jogou alto na eleição da "candidata de Lula". E vai cobrar. As obras - independente do discurso de campanha dos tucanos - estão em andamento. Se estão no prazo, é outra discussão, mas o fato é que deixá-las de lado, depois de tantas promessas, já não é uma alternativa.
A presidente Dilma Rousseff forçosamente vai ter que olhar do Planalto Central na direção do Nordeste, no mesmo ângulo que lhe ensinou seu padrinho político. É claro que ela terá outros 19 Estados para atender. Não se trata de renegá-los. Mas se ela preza pela continuidade que tanto defendeu na campanha, espera-se que mantenha a atenção especial à nossa região.
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
O paraíso dos ficha-suja
A (in)decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da Lei da Ficha Limpa entristece e alarma quem, de fato, ainda espera por uma política justa e decente no Brasil. Entristece quando se vê magistrados da alta corte atados a dispositivos menores e arcaicos e alheios ao mérito das reais necessidades do País, que clama por moralidade e justiça social.
E alarma porque, uma vez no STF, instância máxima da Nação, não há mais para onde se recorrer no caso da lei não poder vigorar, graças às filigranas encontradas pela lupa dos advogados dos ficha-suja.
Um simples exame de memória vai revelar que os últimos vinte anos da política brasileira foram absurdamente surreais. Intoleráveis, para usar uma palavra adequada. Um escândalo nem aguarda o término de outro para eclodir, sem que nada seja verdadeiramente esclarecido.
Citar o mensalão como exemplo virou clichê. Mas, vá lá. Afinal, quem dos mensaleiros foi parar na cadeia? E os desmandos cometidos pelos caciques do Congresso Nacional, representados pelos senadores José Sarney, Renan Calheiros e, um pouco mais atrás, Jader Barbalho? Estão todos de volta, reeleitos.
Jader, embora ainda tenha o mandato ameaçado pela Lei da Ficha Limpa, depois da votação apertada - e empatada - do STF, depende de apenas um voto para assumir seu posto no limbo político da Câmara Alta.
Depois de duas décadas de luta da sociedade contra regime de exceção, e mais uma brigando para ajustar o processo democrático ao seu devido lugar, os políticos brasileiros parecem confundir - propositalmente - democracia com libertinagem.
Em "Os donos do poder", Raimundo Faoro profetizava, mais de meio século atrás, o cenário atual de barbárie política. O jurista enxergava no período colonial as origens da corrupção e da burocracia no Brasil, afirmando que enquanto elas foram superadas em outros países ao longo dos séculos, aqui na terrinha acabaram se incorporando à nossa estrutura política e econômica.
O fato é que a decisão do STF, tomada ontem, revela uma linha excessivamente tênue barrando a entrada dos candidatos ficha-suja. Basta uma interpretação jurídica diferenciada e gente como Paulo Maluf e o próprio Jader estarão de volta ao poder. do qual, é bem verdade, jamais foram apeados.
Outro caso emblemático de desequilíbrio da lei é o do deputado federal Paulo Rubem Santiago (PDT). Duro combatente da corrupção na política, ele agora enfrenta a ameaça de perder o próprio mandato para José Augusto Maia (PDT), ex-prefeito de Santa Cruz do Capibaribe, reconhecido pela Justiça como ficha-suja.
Se examinarmos o cenário em cada Estado, mais incongruências aparecerão, graças às brechas e fragilidades da lei, feita pelos políticos para proteger os políticos. E há quem ainda sonhe em promover no país uma reforma política avançada. Só mesmo em sonho.
quarta-feira, 27 de outubro de 2010
Presidente Teflon
Já virou rotina, mas sempre surpreende ver o crescimento da popularidade pessoal do presidente Lula. O país, se acaba, mundo se acaba, e o homem continua intocável. Nada gruda nele. Nem Erenice Guerra, nem escândalo dos dossiês. Nada.
Ontem, Lula bateu no teto de novo: 83% de aprovação popular, aferidos pelo Instituto Datafolha. São três semanas consecutivas quebrando o próprio recorde. Um detalhe que precisa ser dito: esse índice compreende apenas os brasileiros que consideram ótimo ou bom o desempenho do presidente. Se somarmos a eles os 13% que avaliam a gestão como regular - como costumam fazer alguns gestores que não têm boa aprovação - o número vai à estratosfera: 96%.
Depois disso, é incrível que ainda existam críticos. Mas há. São corajosos 3% dos entrevistados pelo Datafolha que, remando contra a tsunami, avaliam o governo Lula como ruim ou péssimo.
Mas o problema da popularidade alta não é ofuscar os outros, e sim a si mesmo. A cegueira que números dessa grandeza podem provocar é de dar medo. Um governante menos preparado, ao constatar-se quase uma unanimidade, fica a um passo da tirania. Sem oposição, é fácil se tornar um déspota. A linha é muito tênue, e muitos já a cruzaram.
Lula, porém, por enquanto parece apenas ter pisado nessa linha. Embora só agora tenha galgado os 83% de popularidade, há muito tempo ele já não escuta as críticas da oposição. E é importante é dizer que nem todas essas críticas são destrutivas. Algumas podem - e devem - ser aproveitadas, a título de sugestão, para melhorar algum setor que não esteja bem.
O problema é que quando a popularidade sobe à cabeça, ela tapa os ouvidos e gera intolerância com quem critica. Eis a descrição de um déspota, de acordo com muitos exemplos já registrados ao longo da história.
O mais curioso disso tudo é que Lula bateu o próprio recorde durante três semanas seguidas. Exatamente o tempo de duração do segundo turno da disputa presidencial, no qual atuou mais forte que nunca como cabo eleitoral da candidata petista Dilma Rousseff.
Pior para José Serra (PSDB). Afinal, de acordo com o Datafolha, dois de cada três eleitores declarados do tucano avaliam o desempenho de Lula como ótimo ou bom. É um cenário complicado para se pensar em uma disputa equilibrada.
terça-feira, 26 de outubro de 2010
Desmantelo eleitoral *
Desde a disputa entre Fernando Collor e Lula, em 1989, o País não testemunhava uma eleição presidencial com um nível tão baixo de propaganda. A análise feita por especialistas, em matéria publicada domingo pelo JC faz todo sentido: a campanha não debateu nada de real importância para a melhoria de vida do brasileiro.
Os temas que têm permeado a discussão entre os dois candidatos e seus aliados poderiam, de fato, despertar interesse. Legalização do aborto, união civil entre casais do mesmo sexo, prevalência do estado laico e outros assuntos polêmicos deveriam suscitar um debate nacional. Talvez até plebiscitos, tamanha a sua complexidade. Mas da forma como eles têm sido abordados, fica clara uma finalidade menor, mesquinha, de municiar ataques pessoais de parte a parte.
Para refrescar a memória, nas disputas de 1994 e de 1998 Lula foi derrotado por Fernando Henrique Cardoso ainda no primeiro turno. Já os pleitos de 2002 e 2006 trouxeram duas vitórias do petista, ambas no segundo turno. O que torna as quatro eleições parecidas é que em todas elas a diferença entre os dois finalistas nas pesquisas era significativa, e isso pacificava os confrontos.
Mas a passagem de Serra para o segundo turno, aliada à uma aproximação com Dilma nas pesquisas, animaram o PSDB a partir para o tudo ou nada. Acuado, o PT reagiu no mesmo nível. O resultado é esse desmantelo a que o eleitor foi obrigado a assistir. Para muitos, só resta prender a respiração e suportar a última semana de uma campanha que não deve deixar saudades.
* Texto publicado na coluna Cena Política, do JC, em 25/10/2010
Troca de desaforos no debate
A grande novidade do debate entre os presidenciáveis na TV Record, segunda-feira (25), foi um clima bem mais acirrado entre Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) que nos confrontos anteriores. Movidos pela aproximação do Dia D e pelos resultados das recentes pesquisas, os dois candidatos iniciaram o programa trocando farpas e até desaforos. Em vários momentos acusaram um ao outro de mentir e de distorcer dados e informações com objetivo meramente eleitoral. Atacaram os palanques dos adversários e cobraram posições dúbias.
Os escândalos envolvendo aliados dos dois presidenciáveis foram amplamente explorados. Sempre que teve oportunidade, José Serra citou o envolvimento da ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, “braço direito de Dilma”, com denúncias de tráfico de influência, lembrando que ela está sendo investigada pela Polícia Federal. Dilma retrucou insistindo no envolvimento do tucano com o empresário Paulo Souza, que atuou no governo de Serra em São Paulo e hoje também está sob investigação. “Você esconde Paulo Preto. Ele não foi só seu braço direito, mas o braço esquerdo e, se duvidar, a cabeça também”, disparou.
Serra chegou a defender o ex-auxiliar – responsável pelas obras do Rodoanel e de ampliação da Marginal Tietê na sua gestão – acusando os petistas de “racismo” por terem apelidado o empresário de Paulo Preto. “Eu nem conhecia esse apelido preconceituoso e racista que vocês botaram”, reclamou. O tucano ainda insinuou que o governo petista teria favorecido o senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) com cargos em troca de apoio à candidata petista.
O tom bem-humorado do debate ficou por conta da troca de farpas irônicas. Durante os quatro blocos do programa, Dilma insistiu que Serra estava “enrolando” sem responder as perguntas. O tucano reagia acusando a adversária de “ficar só no trololó” e também não responder seus questionamentos. Os momentos de humor, porém, deram lugar a situações cansativas para a ampla maioria do eleitorado, como uma extensa discussão sobre a privatização ou não do petróleo do pré-sal e uma troca de questionamentos sobre o plano nacional de mudanças climáticas.
Em termos programáticos, no entanto, mais uma vez os candidatos ficaram devendo novidades. Assuntos importantes, como saúde, educação e segurança, foram tocados muito de leve, sem maior aprofundamento e com respostas requentadas. Um detalhe que chamou a atenção foi uma disputa velada pela atenção dos nordestinos. A região mereceu citações especiais, principalmente quanto à continuidade de obras como a Ferrovia Transnordestina e a transposição das águas do Rio São Francisco.
Segundo Serra, essas ações seriam só propaganda do governo Lula mas não teriam saído do papel, e ele se comprometeu a realizá-las. Tratamento semelhante foi dado à refinaria da Petrobras em Pernambuco. Comparando a atual situação do Nordeste à vivida no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – aliado de Serra – Dilma garantiu que as obras estão em andamento e prometeu dar continuidade.
O debate terminou com um tema polêmico. O tratamento a ser dado ao Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). O tucano acusou a petista de assumir posição ambígua, criticando o MST e em, seguida “vestindo o boné”. Dilma, por sua vez, afirmou que o governo Lula fez mais assentamentos que a gestão de FHC disse que o MST tem uma política própria e o governo tem outra, “mas não tratamos nenhum movimento social com cacetete e repressão”, acrescentou.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
Com juros e correção
Vai levar algum tempo até que as oposições em Pernambuco se recuperem do atropelamento. Pilotado pelo governador Eduardo Campos (PSB), o trator da Frente Popular passou solenemente por cima dos adversários e, não satisfeito, voltou de marcha à ré para esmagar os que porventura ainda respirassem.
Tentei montar uma imagem na cabeça do leitor na intenção de revelar todo o significado da vitória de Eduardo. Uma vitória com um forte componente de vendeta, que o governador insiste, inutilmente, em negar. Foram mais de dez anos construindo, diuturnamente, a máquina que ontem moeu o que restava a oposição no Estado.
Não se trata de um "troco" apenas pela derrota imposta por Jarbas Vasconcelos a Miguel Arraes, em 1998. Isso seria pensar com imediatismo. Embora não declare, a vingança imposta ontem por Eduardo às oposições tem muito mais juros e correção. Incide sobre antigos episódios de uma turbulenta relação entre seu avô e o ex-aliado peemedebista.
Um primeiro conflito ocorreria no distante ano de 1979. Ao retornar do exílio, Miguel Arraes planejava retomar o mandato de governador que o regime militar lhe tirara em 1962. Achava que poderia ser o nome das oposições a enfrentar Roberto Magalhães (PDS) em 1982. Mas Jarbas - comandante do PMDB estadual - bancou a candidatura de Marcos Freire, articulada enquanto o ex-governador ainda estava na Argélia.
Dali em diante, o tratamento entre os dois aliados esfriou. Mas só se agravaria em 1990, quando Jarbas disputou o governo contra Joaquim Francisco, do PFL. Candidato a deputado federal, Arraes montou uma chapinha exclusiva do PSB com o PCdoB e pouco se empenhou na campanha do peemedebista, que acabou derrotado.
Dois anos depois, viria o troco. Favorito na disputa para prefeito do Recife, Jarbas recebeu de Arraes uma condição para apoiá-lo: queria o neto, Eduardo, na vice, numa aliança PMDB/PSB. Pedido recusado, o racha se consolidaria para sempre. Arraes e Jarbas pararam de militar juntos e deixaram até de se cumprimentar.
Em 1994, Jarbas se aliaria ao PFL, enquanto Arraes vencia a disputa ao governo do Estado. "Doutor Jarbas está no caminho da perdição", declarou o socialista, na época, em tom meio profético.
Ao final do seu mandato, porém, instado por aliados a disputar a reeleição - instrumento que condenava publicamente - Arraes levaria um revés de mais de um milhão de votos nas urnas, imposto pelo rival com o apoio do PFL, na aliança que ele, Arraes, tanto condenara. Essa mesma aliança levaria Jarbas à reeleição no primeiro turno em 2002, sem chances para a Frente Popular.
Embora em 2006 Eduardo Campos tenha conseguido uma vitória sofrida para o governo sobre Mendonça Filho (PFL), graças, inclusive, ao apoio do presidente Lula, somente ontem seu projeto de vingança se completaria.
A Jarbas, agora, restam mais quatro anos de Senado e a perspectiva de despontar no plano nacional como duro adversário de um eventual governo Dilma ou aliado dedicado em uma possível gestão Serra.
Às oposições em Pernambuco, resta um esforço supremo de recomposição, que precisa ser eficiente e rápido para render dividendos já em 2012. Mas que não será fácil, dadas as rivalidades e desentendimentos entre caciques dos partidos opositores.
A Eduardo Campos, resta, no mínimo, a obrigação de fazer um governo melhor que o primeiro, e daí tentar alçar um voo mais alto, rumo ao cenário nacional. Porque em Pernambuco, ao menos politicamente, ele já cumpriu tudo o que havia planejado.
sexta-feira, 24 de setembro de 2010
Como nos velhos tempos
Os defensores da campanha propositiva que me perdoem, mas o debate entre os candidatos ao governo de Pernambuco, realizado ontem à noite pela TV Jornal, lembrou bem a fórmula do passado: provocações, ataques e farpas misturados com pitadas de propostas administrativas. Esse é, definitivamente, um modelo que prende o eleitor. E a prova disso é que hoje pela manhã, nos vários locais em que estive, o debate era o assunto do dia.
Ao contrário das repercussões de outros confrontos - como o presidencial de segunda-feira passada - não ouvi de ninguém a análise de que o embate de ontem tenha sido fraco, ou morno. O eleitor comum, pelo menos, pareceu satisfeito. É verdade que a maioria sequer assiste. Muda de canal, prefere a novela. Uma reação construída pelos próprios políticos, fruto de anos de desmandos cometidos por eles, provocando o desinteresse e o descrédito do eleitor.
Mas quem assistiu, pôde verificar o funcionamento da velha polarização governo x oposição. Nada mais natural que Eduardo Campos (PSB), governador e candidato à reeleição, virasse alvo prioritário dos ataques adversários. Estranho se assim não fosse. Ataques temperados por uma rivalidade antiga - e até pessoal - entre ele e Jarbas Vasconcelos (PMDB), que cuidou de explicitá-la bem protestando a todo momento contra o fato de o governador "não desejar a existência de oposição no Estado".
Como era esperado, a carga mais explosiva ficou por conta de Edilson Silva (PSOL). Representante da ultraesquerda, ele negou ser "radical", mas foi quem mais endureceu nos ataques à gestão de Eduardo, lançando desafios e caminhando até o oponente para encará-lo de perto no momento de fazer a pergunta.
Adepto da filosofia verde, Sérgio Xavier (PV) assumiu o personagem ponderado da noite. Chegou, inclusive, a tentar atuar como bombeiro, pedindo "calma" aos adversários nos momentos mais quentes. Mas talvez por isso mesmo tenha saído do debate sem deixar uma marca mais forte. Assim como sua presidenciável Marina Silva (PV), exagerou no estilo propositivo, abrindo um flanco aberto para os rivais mais agressivos.
No cômputo geral, é provável que este tenha sido o debate entre os candidatos a governador mais assistido da campanha, graças à fórmula em que se enquadrou. É bem verdade que há ainda mais dois confrontos agendados. Entre eles, o da TV Globo, na próxima terça-feira. Ótimo. Quem sabe a mistura se repete, atraindo a atenção de um eleitor que a cada dia se torna mais apático diante dos embates eleitorais.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
A cara da política brasileira
O governador-candidato Eduardo Campos (PSB) foi "surpreendido", ontem, com uma festa num bar da cidade para marcar a "adesão" do deputado Pedro Eurico (PSDB) ao seu palanque. Surpresa, porém, é uma palavra que passa longe desse episódio.
Durante os dois anos em que ocupou a liderança das oposições na Assembleia Legislativa, o parlamentar tucano recebeu inúmeras críticas dos seus próprios liderados pelo tratamento excessivamente cortês que dispensava ao governo do ex-aliado.
Ao justificar a virada de casaca, ontem, o próprio Pedro Eurico lembrou ter sido secretário de Habitação de Miguel Arraes, e reafirmou sua antiga amizade com Eduardo. Só faltou explicar porque decidiu trocar o PSB pelo PSDB exatamente no ocaso da liderança de Arraes.
Durante praticamente todo o período em que esteve na oposição, Pedro Eurico fez questão de manter na parede do seu gabinete na Assembleia uma foto de Arraes, para quem quisesse ver. E nas sessões do Legislativo, quando se tratava de bater forte no governo Eduardo, delegava a tarefa à colega tucana Terezinha Nunes - jarbista de carteirinha e inimiga figadal do governador - ou ao demista Augusto Coutinho, que hoje ocupa a liderança das oposições.
Mas ninguém se engane: Eurico não estava, com isso, preparando o terreno para um retorno às origens. Ele, na verdade, nunca se desligou delas. Tanto que, mesmo investido no comando do bloco adversário, sempre recebeu tratamento diferenciado por parte do governador-amigo. Nos bastidores do Palácio, seu retorno era tido como favas contadas.
O tucano anunciou a "virada" de lado por razões bastante pragmáticas e nada inéditas. São motivos que o eleitor já está cansado de ver na política brasileira. Primeiro, é bem verdade, ele levou em conta o clima de indisposição criado com Jarbas Vasconcelos (PMDB) depois das suas críticas à condução da campanha majoritária das oposições, quando afirmou, na imprensa, que o palanque do peemedebista estaria desagregado.
Mas a adesão na reta final deve ser vista mesmo como uma manobra derradeira do parlamentar tucano para tentar renovar o próprio mandato. Algo que já estava difícil dentro do bloco adversário, e ficou impraticável após a briga interna com Jarbas.
Agora, mesmo que ainda tenha de se submeter à matemática eleitoral da sua coligação - que não deverá ter cacife suficiente para renovar os mandatos de todos os parlamentares oposicionistas - o tucano estará livre para pedir votos ungido pela alta popularidade de Eduardo Campos.
É esperar o resultado das urnas para saber se a manobra - por mais questionável que seja - aconteceu a tempo de salvar o mandato de Eurico, um dos deputados mais antigos na Assembleia Legislativa de Pernambuco.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
A casa caiu. No Amapá
Já imaginaram se a Polícia Federal começasse a investigar a vida de cada candidato ao governo ou Senado, faltando menos de um mês para as eleições? É claro que a maioria deve ter a ficha limpa, transparente até. Mas sempre aparece um ou outro com um rabinho de palha. Foi o que aconteceu hoje no distante Amapá.
Talvez por avaliarem que estavam tão longe de onde as coisas acontecem, o governador Pedro Paulo Dias (PP) e o ex-governador Waldez Goes (PDT) tenham montado um esquemão que, segundo a PF, de 2009 até o momento já teria desviado R$ 800 milhões em verbas repassadas pela União ao Estado. Dinheiro que seria destinado à educação.
Seria engraçado - e até um tanto reconfortante, admito - assistir ao desmonte de palanques favoritos, às vésperas do pleito. Ver os caras já com a mão na faixa - loucos para dar continuidade aos seus esquemas de desvio de verbas públicas, pagamento de propinas e outros quitutes que a política do mal tem no cardápio - serem enquadrados pela PF "aos costumes"...
Você não ficaria feliz? Principalmente você, desavisado, que pretendia votar no tal meliante?
Pois é. Mas não vai acontecer dessa forma. Pedro Paulo e Waldez Goes são os cabeças de uma quadrilha com mais 17 pessoas, que só foi presa ontem graças a uma investigação que começou em agosto de 2009. Ou seja: levou um ano até pegarem os envolvidos.
E não será surpresa para ninguém se daqui a pouco surgirem na mídia políticos em defesa dos colegas detidos. Já vimos esse filme antes. Vão falar que foi perseguição política, que é um ato de campanha, e tal.
Isso sem falar no apoio importante que os dois acusados receberam recentemente. É de se supor que o presidente Lula desconhecia o esquema montado pelos aliados no Amapá. Afinal, Lula sabe de muito pouca coisa. Mas para grande azar, ele apareceu ontem no guia eleitoral amapaense, pedindo votos para Waldez Goes. E já tinha gravado um depoimento para o programa do governador, que iria hoje ao ar.
Candidato à reeleição, Pedro Paulo assumiu o governo das mãos de Waldez Goes, que saiu para disputar o Senado, e hoje está em terceiro lugar nas pesquisas de intenção de voto. Mas seu companheiro de chapa lidera a disputa pelo Senado.
Se não for processado e tiver a candidatura cassada, é provável que a partir de 2011, Goes passe a integrar a honrada bancada do Amapá no Senado, comandada por ninguém menos que o inatingível José Sarney. Embora seja maranhense, Serney foi eleito senador pelo Estado nortista que criou quando era presidente da República.
É improvável que a "operação mãos limpas", realizada hoje pela PF no Amapá, se repita em outros Estados até a data do pleito. Mas não tem problema se acontecer depois. Mesmo que não impeça a eleição de alguns fichas-sujas, pode contribuir para apeá-los do poder, mesmo depois de diplomados.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
Baixando a guarda
O presidenciável do PSDB, José Serra, acaba de cassar o título que ele próprio outorgou ao presidente Lula, de "entidade acima do bem e do mal". Durante pouco mais de dois meses de campanha oficial, Serra tinha conseguido driblar com maestria todos os possíveis episódios de confronto direto com seu ex-concorrente de 2002. Corretamente, centrou fogo na adversária atual, a petista Dilma Rousseff, que embora seja afilhada política de Lula, está longe de ter a habilidade do padrinho.
A ideia dos tucanos era evitar a todo custo um embate direto com o presidente e seus quase 80% de popularidade. Seria o mesmo que bater de frente com um trator em movimento. No entanto, não contavam que a campanha degringolasse para o campo pessoal, com o envolvimento de parentes de Serra em mais um capítulo da novela dos dossiês pré-fabricados.
E até que o tucano aguentou bem. Resistiu, inclusive, ao impacto da notícia sobre a quebra ilegal do sigilo fiscal da sua filha e do genro. Só não suportou o discurso do próprio Lula na TV, durante o guia eleitoral de Dilma. Até então, ele imaginava que, da mesma forma que evitava o embate direto, o rival se manteria à margem do palco, nas coxias, deixando o espaço sob os holofotes para Dilma.
Errou, porque supôs que Lula adotaria uma linha de pensamento objetiva e racional.
As notícias da semana passada sobre o envolvimento de agentes ligados ao PT na fabricação de supostos dossiês para instrumentalizar a campanha derrubaram o presidente do pedestal. Os petistas, definitivamente, sentiram o golpe. Tanto que passaram ao ataque.
É a leitura que se pode fazer da participação de Lula no programa eleitoral de Dilma. Sem meias palavras, o presidente olha nos olhos dos eleitores e acusa os adversários de lançarem mão de "baixarias" para tentar reverter a desvantagem na corrida presidencial.
Raposa política, Lula jamais faria isso se o universo petista continuasse em perfeito equilíbrio. Mas no momento em que ele lançou o contra-ataque, também baixou temporariamente a guarda, dando a Serra mais munição para se colocar como representante dos insatisfeitos com o atual cenário pro-PT.
É claro que o presidenciável tucano está ciente da sua desvantagem diante de Dilma, inclusive em termos de cabo eleitoral. Serra, na realidade, sabe que a fatura está praticamente liquidada. Resta ver que posição que ele pretende assumir após o dia 3 de outubro.
Porque ao se envolver diretamente no confronto, Lula deu ao rival duas opções distintas: agachar-se diante do rolo-compressor petista, envergando novamente a camisa de candidato derrotado, ou tirar proveito do insucesso, se consolidar como um dos principais opositores do futuro governo Dilma Rousseff e agir assim nos próximos quatro anos.
Mesmo que não seja ele - e certamente não será - o próximo paladino do PSDB a tentar quebrar, agora em 2014, a hegemonia do PT no poder.
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Sextilha política
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
A frieza dos números
Aliados de José Serra (PSDB) já admitem que ele pode jogar a toalha com relação aos Estados do Nordeste. O presidenciável estaria pronto a enveredar por um caminho pragmático, de cultivar e preservar os votos que tem em regiões do País onde ainda for possível vencer a adversária Dilma Rousseff (PT).
Se essa tese – que, admitamos, tem sentido – for confirmada, não devemos ver muito o candidato tucano por essas bandas. O que não é bom para as oposições, que apostam na campanha “casada”. De qualquer forma, desde o início da corrida sucessória Serra esteve pelo menos quatro vezes em Pernambuco. Nem por isso ajudou a alçar os números de Jarbas Vasconcelos (PMDB) nas pesquisas.
Já a presidenciável petista detém uma posição confortável nos levantamentos realizados no Norte e, principalmente, no Nordeste, onde tem seus melhores índices. Mas ao contrário de Serra, ela continua agendando compromissos eleitorais nas duas regiões.
O que pode explicar a tranquilidade de Dilma com relação ao Sudeste – onde a situação lhe é mais desfavorável – e ao Sul é a entrada definitiva do presidente Lula na campanha. Maior cabo eleitoral de Dilma, Lula pretende se debruçar exatamente sobre essas áreas delicadas. E já começou. Passou todo o final de semana em atividades de campanha em São Paulo, da capital ao ABC, berço do PT.
Se as próximas pesquisas mostrarem que a estratégia petista está correta, o caldo pode entornar para os tucanos. E aí, é mudar tudo ou entregar os pontos.
* Texto publicado na coluna Cena Política, do JC, em 23/08/2010
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Adversário incômodo
Os jornalistas que cobrem a campanha eleitoral já desistiram de pedir ao governador-candidato Eduardo Campos (PSB) sua opinião a respeito de qualquer questão envolvendo o adversário Jarbas Vasconcelos (PMDB). Cansaram de ouvir a mesma resposta, que, com ligeiras variações de acordo com o humor da ocasião, soam tipo: "Não tomo conhecimento".
Caminho mais fácil não há que nos negarmos a reagir a uma crítica quando ela "aparentemente" não nos atinge. Afinal, apenas uma leitura superficial dos números das pesquisas basta para explicar a postura confortável do governador. Mas não é bem assim.
O mantra do "desconhecimento ao adversário" cabe apenas nas aparições públicas de Eduardo, onde tem imprensa. E sempre tem imprensa aonde quer que ele vá. Mas sob a proteção dos muros do comitê de campanha ou do Palácio do Campo das Princesas, a conversa é outra. Há "rumores" de que a ordem do governador é para que não se deixe o "doutor Jarbas" sem resposta.
Só que ela não deve ser transmitida pelas mãos dos jornalistas, para não parecer bate-boca. Sempre que possível, o recado deve ser enviado ao peemedebista em forma de ações sem trégua da campanha da Frente Popular. E de preferência, em áreas próximas às de Jarbas. Política da "terra arrasada" mesmo.
Logo no início, "coincidências" de agenda levaram Eduardo a marcar atos de campanha nas mesmas cidades que Jarbas. E no máximo com apenas um ou dois dias de antecedência ao evento do adversário. Mas com o início do guia eleitoral de TV e rádio, as "coincidências" deram lugar à afobação.
Ontem, nem bem havia terminado o primeiro programa de Jarbas na televisão, A Frente Popular já rebatia propostas apresentadas pelo opositor. Nese caso específico, a promessa de redução da tarifa sobre ligações de celular pré-pago.
Marketing! Afinal, celulares ainda são - pasmem os senhores! - símbolo de status entre consumidores das classes menos abastadas, e os publicitários jarbistas podiam prever a reação positiva do eleitor. Que só não foram mais rápidas que os telefonemas de assessores da Frente Popular à imprensa, em busca de espaço para contestar o mesmo peemedebista cuja candidatura alegam não tomar conhecimento.
Como a proposta havia sido lançada por Jarbas no guia eleitoral, obviamente os jornalistas entenderam ser aquele o fórum adequado à resposta. Mas o insucesso em recuperar de imediato o suposto "prejuízo" eleitoral fez com que o governador utilizasse entrevistas previamente marcadas para tratar do assunto. Que foi levantado por um candidato cuja existência ele garante nem notar.
Se a moda pega, e a cada promessa levada ao ar chovam adversários preocupados em contestá-las na imprensa, seria melhor redirecionar logo a estratégia de marketing de cada candidato. Ou ao menos daqueles que sempre defenderam os longos, chatíssimos e ultrapassados programas do guia eleitoral como principal estratégia para serem catapultados ao poder.
O antipatriota
Por Rafael Carvalheira
Do Jornal do Commercio
Questionar a escolha do Brasil para sediar a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. O assunto soa velho e, para alguns, até antipatriótico. É bom que seja assim. O contrário disso significa estar alinhado com raciocínios deturpados sobre valores sociais. Gente que gosta de brincar de esconde-esconde; que trabalha para que qualquer contestação em cima destas eleições e suas implicações soe exatamente assim.
Para o azar dessa gente, que compõe as mais variadas esferas sociais, na qual se incluem membros de governos e imprensa, há quem não embarque no oba-oba. O repórter inglês Andrew Jennings é uma dessas pessoas. E ele está no Brasil. Investigando os porões das candidaturas brasileiras. Cada suborno e manobra por baixo dos panos. Concedeu entrevistas a vários veículos de comunicação. Um pequeno questionamento suscita no mínimo reflexão sobre a real necessidade de organizarmos os dois maiores eventos esportivos do mundo.
Quanto a Fifa e o COI vão gastar? Talvez nem as passagens dos seus dirigentes. Os bilhões sairão dos nossos bolsos para a construção de casulos – instalações esportivas ou não – destinados à engorda financeira das duas entidades. Entidades estas que vendem algo abstrato para patrocinadores, parceiros e outros com relação mais suspeita. As marcas Copa e Olimpíadas. Nem a Fifa nem o COI pagam atletas, sustentam clubes ou centros de treinamento, executam projetos sociais significativos em países pobres, bancam a infraestrutura dos seus eventos...
É como se um estranho de repente passasse a morar comigo. Não pagasse luz, água, telefone, alimentação, condomínio, transporte. Me dissesse como devo me comportar, me vestir, criar meus filhos e ainda como gastar meus recursos. Depois fosse embora com o dinheiro que não precisou gastar e mais aquele que recebeu para prestar os serviços de “consultoria”. A mim, restaria uma dívida gigantesca. Neste caso, prefiro a pecha de antipatriota, mas com dinheiro para investir em saúde, educação, emprego e em obras, aquelas de fato imprescindíveis.
terça-feira, 17 de agosto de 2010
Agora o bicho pega!
De Petrolina
O resultado da nova pesquisa Ibope, divulgada ontem, um dia antes início dos programas eleitorais gratuitos na TV e no rádio, acende um gigantesco sinal amarelo na sala de comando da campanha tucana. Basta, para isso, fazer uma leitura mais aprofundada dos números.
Segundo o Ibope, a presidenciável petista Dilma Rousseff – que começou a pré-campanha em significativa inferioridade – ultrapassa José Serra (PSDB) e abre 11 pontos percentuais. O placar principal está em 43% a 32%. Mas a análise mais assustadora – até por ser a mais precisa – incide sobre os votos válidos. Aqueles que são realmente contabilizados pela Justiça Eleitoral para decidir a disputa, excluindo os votos em branco, nulos e indecisos.
Feita essa conta, Dilma aparece com 51% dos votos válidos, contra 38% de Serra, 10% de Marina Silva (PV) e 1% dos demais candidatos. O detalhe é que, para definir a vitória numa eleição logo no primeiro turno, um candidato precisa obter 50% dos votos válidos, mais um.
Por isso a luz amarela piscando sem parar nas hostes do PSDB. Levando em conta a nova rodada do Ibope, se as eleições acontecessem hoje, a candidata do presidente Lula estaria eleita, sem segundo turno.
Mas as eleições não são hoje. Há pela frente toda uma propaganda eleitoral na TV e rádio. E pelo que já vimos em campanhas anteriores, seria perigoso afirmar hoje que ela pode mudar o cenário em favor de Serra ou consolidar a vantagem de Dilma.
A única previsão fácil de fazer é a de que, depois dessa pesquisa, o fair play deve ir para o espaço, pescoço vai virar canela e vem muito chumbo grosso por aí.
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Debate pra quê?
Continuo com saudades dos xingamentos, dos gritos, do desespero dos mediadores em tentativas inúteis de manter o controle sobre exaltados candidatos. Assim eram os debates eleitorais de antigamente na televisão. Mesmo aqueles com apenas dois oponentes conseguiam prender a atenção do eleitor-telespectador.
Na noite de quinta-feira passada, confesso que fiz força para não dormir diante da TV, durante o debate entre os candidatos ao governo de Pernambuco. Faltou pouco. Com todo respeito aos colegas da TV Clube/Band pela iniciativa louvável e democrática, foram poucos os momentos que realmente atrairam a atenção.
Mas a culpa não é dos organizadores - embora o formato ajude a tornar o programa mais insípido. A culpa, na verdade, é dos próprios candidatos. Seja pelo despreparo, seja pela falta de compromisso com a apresentação de propostas diferenciadas, seja pelo estilo demasiadamente matreiro. O fato é que o primeiro embate do pleito estadual não trouxe nada de novo para o eleitor.
Preocupado em defender sua gestão, o governador-candidato Eduardo Campos (PSB) obviamente jogou confetes em si mesmo. E quando teve oportunidade de partir para a luta franca com o desafeto Jarbas Vasconcelos (PMDB), preferiu a ironia e a esquiva. Nem parecia aquele candidato que nas ruas se mostra disposto a fazer da oposição uma "terra arrasada".
Jarbas, por sua vez, mostrou que está mesmo destreinado para debates. Talvez por ter rejeitado a participação em todos os confrontos de 2002, quando disputava a reeleição como favorito. Por mais que se esforçasse ontem, o peemedebista não conseguia trazer o rival Eduardo para dentro do ringue. O resultado é que os dois ficaram apenas se xingando de longe, que nem meninos buchudos.
E os outros quatro concorrentes? Sim, havia mais deles no debate. Mas suas participações refletiram seus índices nas pesquisas, que oscilam entre zero e um ponto percentual. Não conseguiram despertar discussões acaloradas, e tampouco apresentar propostas que atraíssem o eleitor.
Faça-se aqui uma justa exceção para Sérgio Xavier (PV), que se esforçou para explicar as propostas modernas dos verdes, baseadas na sustentabilidade. Mas a tabelinha com os oponentes não ajudou. Entre os representantes da ultra-esquerda, a preocupação se limitava à crítica radical aos governos de Eduardo e de Jarbas, mescladas a promessas inexequíveis, como a reestatização de empresas privatizadas, e coisas afins.
Mas por que defender o bate-boca, as agressões e as baixarias politicamente incorretas no debate? Talvez por já ter ligado a tevê convencido de que não seria surpreendido com discursos diferenciados ou propostas inovadoras para o Estado. E sem isso, só mesmo o velho vale-tudo eleitoral para evitar os cochilos em frente à telinha. Mas nem isso eles souberam fazer. Que saudades dos velhos debates...
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Da lama pra (má) fama
Não causa surpresa a ninguém o primeiro balanço de impugnações de candidaturas na Justiça Eleitoral, divulgado hoje pelo jornal Folha de S. Paulo. É fácil saber qual o partido com mais postulantes barrados na disputa de outubro, após a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Basta pegar como referência aquele que mais esteve envolvido em escândalos, que mais participou de negociatas e outras atividades escusas nos últimos anos no País.
Quem chutou PMDB, acertou na mosca. Pelo menos 23 candidatos peemedebistas à Câmara dos deputados e assembleias legislativas tiveram seu registro impugnado por constar em sua ficha condenação pelo colegiado de algum tribunal ou órgão de controle de contas. Trocando em miúdos: são candidatos que, ao longo da vida, cometeram alguma "travessura" com a honra, a propriedade ou o dinheiro alheio. E agora querem seu voto, rumo à imunidade parlamentar.
Em segundo lugar no ranking dos barrados no baile das urnas aparece o PP, legenda que até pouco tempo hospedava a candidatura do deputado federal Paulo Maluf (SP) à reeleição. Digo hospedava porque desde a semana passada Maluf encabeça a lista dos candidatos impugnados do seu partido.
Na escala de siglas campeãs de fichas-sujas, o PR e o PTB empatam na terceira colocação, seguidos de perto pelo PSDB do presidenciável José Serra, que ficou em quarto lugar. O que não significa vantagem para o PT da ex-ministra Dilma Rousseff. Afinal de contas, quando eu era pequeno - e ainda crente na política - lembro que era o PT quem empunhava a bandeira da ética e do combate à corrupção. Hoje, já tem três candidatos a deputado impugnados pela Justiça por ter ficha suja.
Ao todo, o primeiro "peneirão" dos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs) no País pegou 151 aspirantes a um mandato parlamentar, mas graças ao próprio passado enlameado, vão ficar só na vontade. E vem mais por aí. Nos próximos dias o TRE de São Paulo vai julgar mais 60 pedidos de impugnação.
É bom lembrar que a Lei da Ficha Limpa só foi aprovada no Congresso Nacional depois de muita mobilização popular. Graças à ela, estão proibidas de disputar eleições pessoas condenadas por órgãos colegiados do Judiciário ou de controle de contas.
Os barrados ainda poderão recorrer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas salvo algumas exceções, são poucas as chances de um Pleno reformar a decisão de outro. E ainda que isso aconteça, basta um recurso em contrário de um procurador regional eleitoral para que o "ficha-suja" tenha sua candidatura questionada novamente.
Que fique, então, a advertência: se você planeja conquistar um cargo eletivo no Brasil, a partir de agora se ligue na máxima: "o crime não compensa". Pelo menos até passar no teste das urnas. Depois, é outra história...
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
Com ou sem emoção?
Debate presidencial, hoje em dia, me lembra o tradicional passeio de buggy nas dunas do Rio Grande do Norte. Quando você contrata o motorista local, ele vai logo querendo saber se será com ou sem emoção. Os menos avisados pedem "com", e são surpreeendidos com uma série de manobras radicais, daquelas de deixar o cidadão literalmente pendurado do lado de fora do carro.
Pedir o contrário, porém, pode ser bem pior. No passeio "sem emoção", o turista não vai achar graça nenhuma em passar devagarinho pela beira de grandes dunas e abismos. Periga até sentir sono, e ficar morrendo de inveja das peripécias e gritos no carro ao lado.
Pois foi assim, "sem emoção", o primeiro debate dos presidenciáveis, ontem à noite, na televisão. Morno, sem sal, sem graça. Nenhuma manobra radical, nenhum grito exaltado. Ninguém ficou pendurado do lado de fora do carro. José Serra (PSDB), Dilma Rousseff (PT), marina Silva (PV) e Plínio de Arruda Sampaio (PSOL) apenas cumpriram tabela, ali, no que poderia ter sido uma oportunidade de dar uma reviravolta na campanha, para chacoalhar o eleitor.
Esperava-se uma Dilma trêmula e acanhada - e até foi, mas só no começo - diante de intensos ataques de um Serra louco para detonar o governo Lula, do qual a adversária foi a gerente. Mas enquanto a petista evitou maiores pisões na bola nas respostas, o tucano ficou aquém da sua capacidade incisiva.
Enquanto isso, a senadora Marina Silva e o ex-deputado Plínio Sampaio lutavam para garantir um espacinho junto aos telespectadores. Mas a conformada candidata verde manteve o tom de voz manso, o estilo conciliador e a postura de excessiva transparência, a ponto de elogiar programas do governo Lula, de onde desembarcou às pressas, empurrada pela adversária que estava ali ao seu lado.
Sobrou para o experiente Plínio, do alto dos seus 80 anos de idade, pegar a veia irônica do debate e até debochar da imaturidade dos concorrentes. Ganhou o eleitor pela falta de algo mais palatável por parte dos outros candidatos. Em meio às brincadeiras, conseguiu expôr todo o seu radicalismo de esquerda, sugerindo a ruptura com o grande capital, a distribuição igualitária dos lucros com o povão e as estatizações de empresas e bancos privados. Um discurso que, embora ainda palpitante em alguns corações mais jovens, tem mais ou menos a idade do próprio candidato do PSOL.
Não se deve tirar os méritos da TV Bandeirantes, pela coragem de promover o primeiro confronto da campanha, mesmo tendo que enfrentar a alta audiência de uma semifinal da Copa Libertadores no canal concorrente. No intervalo do jogo, o debate chegou a bater cinco pontos, mas em geral ficou em três, contra cerca de 30 pontos de audiência da partida de futebol. Bem mais emocionante que política, convenhamos.
A questão talvez nem seja de formato. Afinal, houve três blocos onde cada candidato pode escolher com liberdade para quem formular suas perguntas. E mesmo quando ouvia o questionamento dos jornalistas convidados, estava livre para comentar da forma que bem desejasse.
Creio que o problema da falta de emoção vem dos próprios candidatos. Seja do experiente Serra, seja da estreante Dilma. Não houve um momento sequer em que vozes tenham se levantado, ou dedos tenham sido apontados de forma acusadora. Alguém lembra dos embates históricos, como aquele em que Leonel Brizola e Paulo Maluf quase se pegaram no tapa? Ou o outro em que Lula e Ronaldo Caiado gritavam incontrolavelmente um com o outro, para desespero da mediadora?
Poderia citar vários debates presidenciais emocionantes, e de tempos não tão distantes assim. Vale, portanto, o questionamento: da redemocratização aos dias de hoje, o que mudou tanto na política, ao ponto de tirar toda a emoção do passeio?