terça-feira, 29 de março de 2011

Um vice nada figurativo











Diz a regra que, depois que um sujeito morre, só se deve falar bem dele. Pois então que se cumpra a regra.


Sobre o bem-sucedido empresário têxtil José Alencar - aquele proprietário da poderosa Coteminas - não me atrevo a comentar. Não é minha praia. Prefiro focar no José Alencar político, ex-senador, ex-vice-presidente da República e um impressionante conciliador, qualidade reconhecida em vida, mas que vale a pena relembrar após sua morte.


É inegável a importância de Alencar na construção da candidatura vitoriosa de Lula em 2002. Não fosse sua participação, é quase certo que não teria havido a aproximação necessária dos petistas com o empresariado brasileiro, elite mandatária que define, de fato, quem chega e quem sai do poder. Que o diga o ex-presidente Fernando Collor.


Também é fato que a mineirice de Alencar ajudou a construir o diálogo com esse setor. Corajoso, ele aceitou o convite dos artífices da candidatura Lula para assumir a vice absolutamente ciente de que ali estava não por uma questão de simpatia dos petistas. Longe disso.


O senador foi escolhido vice como parte de uma estratégia bem montada pelos caciques do PT nos quatro anos que sucederam a última derrota de Lula. Estratégia que incluiu uma guinada no discurso e a flexibilização de várias teses de origem marxista.

As mudanças ficaram bem claras na Carta ao Povo Brasileiro, divulgada pelo próprio Lula em junho de 2002, pouco antes de assumir a quarta candidatura.
Após três quedas sucessivas nas urnas, mesmo contando com a simpatia das classes menos favorecidas, os petistas sabiam que caminhariam para um quarto fracasso, se não conseguissem o apoio de alguém com real penetração na poderosa casta que define os destinos da política nacional.

O mineiro de Curiaé sabia muito bem o papel que lhe caberia, e o cumpriu com afinco e competência. Ao ponto de, ao final de algumas palestras - como fopi possível testemunhar na Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe) - despertar surpreendentes declarações de apoio a Lula por parte de empresários que antes demonizavam o ex-líder sindical, considerado um verdadeiro bicho-papão pela elite financeira.


Mas Alencar era tão envolvente que a aliança, em princípio meramente eleitoral, terminou descambando para o lado afetivo. Em 2006, pronto para disputar a reeleição, Lula foi instado por alguns auxiliares a substituir seu companheiro de chapa. Para esses petistas, pela boa aceitação que a gestão recebia, já era possível dispensar Alencar para buscar um nome que agregasse mais politicamente. Talvez no interesseiro PMDB.


Lula rejeitou a tese e bateu o pé. Ali, já admitia abertamente, sua relação com Alencar extrapolara o caráter político. Sem desmerecer a competência do vice-presidente, ele enxergava em Alencar uma espécie de figura paterna. Mais quatro anos e essa relação de confiança se consolidou de uma forma pouco provável para quem lembra das origens do PT.


José Alencar detonou a tese do vice figurativo. Mesmo primando pela discrição - e nisso a sua mineirice ajudou - fez questão de manifestar opinião própria sobre as questões de governo. Opiniões às vezes meio incômodas. Algumas até incendiárias. Mas foi assim, na marra, que ele conquistou seu lugar no núcleo do poder e ganhou o respeito não apenas dos políticos, mas de muita gente que já nem acredita tanto na política.

Nenhum comentário: