sábado, 29 de maio de 2010
Elefante branco eleitoral
Demorou, mas eis que a Sudene ressurge como moeda eleitoral. Dessa vez, o primeiro a lançar mão do instrumento foi o presidenciável tucano José Serra. Nada demais, poderia ter sido Dilma Rousseff (PT), ou Marina Silva (PV). Cada uma, óbvio, com sua própria abordagem para um tema que, com o passar dos anos, vem se transformando numa lenda nordestina.
Criada em 1959 pelo economista Celso Furtado - sob encomenda do mais desenvolvimentista dos presidentes brasileiros, Juscelino Kubitschek - a Sudene tinha tudo para atuar bem como órgão de fomento, principalmente numa região tão sofrida e desamparada. Mas no momento em que descobriram a extrema necessidade do agricultor nordestino, os políticos também perceberam a força da máquina que tinham ali.
Bastava uma manobra aqui, um bilhetinho ali, e o dinheiro dos investimentos terminava canalizados para apadrinhados e correligionários. Um vício que só cresceu durante a ditadura militar, e que nem a redemocratização conseguiu dar combate. Assim funcionou, até que a Sudene fosse dragada de tudo que dela se poderia tirar. Esvaziada, não conseguiu resistir à investida final, do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que em 2001 decretou sua extinção.
Mas um vício verdadeiro não é fácil de combater. E foi assim que, mesmo tendo nas mãos apenas o cadáver da Sudene, alguns candidatos ainda conseguiram tirar proveito eleitoral dele, prometendo a sua ressurreição e o reencontro com a glória. Independente de partidos, todos pareciam ser favoráveis à reconstrução da entidade.
Na campanha presidencial de 2002, o tema chegou às raias da ironia quando José Serra, candidato do PSDB apoiado por FHC, defendeu a plenos pulmões a reabertura da Sudene, fingindo não notar o carrasco da extinção bem ali atrás dele, no mesmo palanque.
E Lula? Nada bobo, o candidato do PT retomou o discurso de nordestino expulso para o sul pela miséria e, claro, fez o link com a Sudene. Prometeu reestruturá-la de forma a garantir projetos e investimentos suficientes para segurar o homem do campo na região. De quebra, lamentou que na sua época não existisse nada igual à Sudene.
Após tomar posse, porém, Lula preferiu se debruçar sobre temas mais emergenciais para o País, como as relações internacionais. As questões mais importantes estavam no exterior. E quem não lembra a quantidade de viagens oficiais empreendidas pelo presidente nos primeiros quatro anos de gestão? Os problemas internos ficavam para outra hora.
E veio a disputa de 2006. Pronto para tentar a reeleição, Lula tratou de desenterrar a questão da Sudene, sem sequer se dar ao trabalho de renovar as promessas. Repetiu as mesmas da campanha anterior, fazendo coro com o tucano Geraldo Alckmin, presidenciável da vez, que na primeira visita ao Nordeste já empunhou a bandeira. E, assim como fez Serra, Alckmin ignorou solenemente o fato de o autor da extinção estar no seu palanque.
Em janeiro de 2007, o presidente reeleito finalmente sancionou a lei que recriou a Sudene. Mas a festa só durou até que os novos dirigentes da entidade descobriram os cofres vazios, o quadro de pessoal desestruturado e a absoluta falta de poder político. Era apenas um esqueleto. Uma mera lembrança da entidade concebida por JK, o presidente que Lula, vez por outra, admitia admirar.
Assim é, hoje, a Sudene que Serra quer reformular, nos moldes do projeto original de Celso Furtado, de quem disse ter sido "discípulo e colega". É a mesma Sudene que, com certeza, dentro de alguns dias será abordada por Dilma Rousseff em uma passagem pelo Nordeste. E que pode até mesmo, quem sabe, ser usada por Marina Silva como mote para projetos de desenvolvimento sustentável na região.
Afinal, prometer é sempre muito fácil. Principalmente para gente como o sofrido homem do campo do Nordeste, que diante de tantas dificuldades - quer impostas pela natureza, quer pela mente humana - jamais perde a esperança.
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Eleitor ficha limpa
Triste do país que precisa de uma lei como a do ficha limpa. Não sou contra a proposta, aprovada pelo Congresso Nacional esta semana. Pelo contrário, confesso ter ficado surpreso com a celeridade da decisão dos senhores deputados e senadores.
Quando falo em infelicidade, é porque imagino como tudo seria limpo e transparente se a ética e a correção prevalecessem na política desde a origem. Por exemplo, o fulano que desejasse simplesmente se filiar a um partido, já seria obrigado, de saída, a apresentar uma "folha corrida" que o abonasse. Caso contrário, não teria o direito sequer de militar numa legenda.
É claro, esse seria um país dos sonhos. Uma ilha da utopia, bem ao gosto de Thomas Morus, onde a corrupção seria cortada pela raiz antes que as ervas daninhas nascessem - e se proliferassem - nos parlamentos e executivos por aí afora. Em vez de remediar, faríamos uma prevenção, evitando a situação limite à qual chegamos.
Enfim, temos no Brasil uma lei proibindo a candidatura de políticos condenados em instâncias colegiadas da Justiça. Agora, magistrados e parlamentares discutem a sua aplicação. Se valerá ou não para os candidatos às eleições de outubro próximo. Quem de nós - excetuando-se, claro, os próprios candidatos - não gostaria de vê-la vigorar de imediato? Quem não está cheio da corrupção, e da passividade de quem deveria puni-la?
Mas é preciso seguir o bom direito, como alertou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Ricardo Lewandowski. Qualquer lei aprovada está impedida de retroagir para prejudicar alguém, por mais culpado que seja. E por essa norma, somente políticos condenados após a sanção presidencial da nova regra estariam sujeitos à proibição da candidatura. Ou seja, quem foi punido antes, está livre para disputar mandato.
Se essa for a interpretação correta da nova lei, paciência. Ao menos terá dificultado o surgimento de uma nova geração de corruptos para herdar as mamatas e benesses usufruídas atualmente pelos políticos desonestos. É um primeiro passo para mudar o cenário dantesco que vemos hoje nas rodas de comando da Nação.
Para quem aguentou desmandos e corrupção por décadas, esperar um pouco mais não deve ser tão difícil. É só ficar atento para impedir qualquer desvio nesse novo rumo que a sociedade começa a impingir à classe política.
Quanto à atual geração de raposas, elas ainda terão licença para disputar eleições. Mas cabe ao eleitor se conscientizar e entrar na guerra. Porque somente ele tem nas mãos o intrumento mais legítimo para expurgar da vida pública os corruptos, mensaleiros, estelionatários e outros criminosos: o voto.
segunda-feira, 10 de maio de 2010
Como criar um monstro
O processo de isolamento imposto pelo PT pernambucano ao ex-prefeito do Recife, João Paulo, após ele ter sido derrotado na disputa pela vaga de senador, pode surtir um efeito colateral complicado para os próprios petistas. Por mais inquieto ou indomável que seja, por mais que incomode o comando partidário, João Paulo construiu uma liderança exponencial não só no Recife, mas em boa parte do Estado. Que deve ficar clara na disputa pela Câmara dos Deputados, em outubro.
A iniciativa de isolamento ficou explícita durante a visita de Lula ao Estado, na sexta-feira, para a qual o ex-prefeito sequer foi convidado. Mesmo sendo ele o autor do projeto habitacional Via Mangue, posteriormente executado pelo prefeito João da Costa (PT) e inaugurado na semana passada pelo presidente.
No momento em que o PT desiste do diálogo – por mais difícil que seja – e passa a ignorar o peso político de João Paulo, colabora para pavimentar um caminho que começou a ser aberto no início da década, e que pode levá-lo direto para os braços do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB). A aproximação começou quando um era governador e o outro, prefeito. E foi tão evidente que incomodou a campanha de Humberto Costa ao governo, em 2002.
Não que os dois estejam prestes a se unir oficialmente. Mas qualquer observador atento é capaz de imaginar o estrago que uma eventual aliança Jarbas-João Paulo, num futuro próximo, poderia causar no front governista. E depois da atitude da cúpula petista, já tem gente na oposição se movimentando para fazer o meio de campo, de olho em 2012 e 2014.
* Texto publicado na coluna Cena Política, do JC, em 11/05/2010
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