terça-feira, 29 de setembro de 2009












Quem representa o povo?

Começaram a tomar posse como vereadores os primeiros suplentes beneficiados pela PEC aprovada pelo Congresso Nacional no dia 23 passado. Polêmica e desnecessária, a emenda permitiu a criação de mais de 7 mil novas vagas nas câmaras municipais pelo País afora.

Não bastasse o papel do vereador já vir, há muito, sendo questionado, lá vai o Brasil de novo na contramão da história. Em muitos dos países desenvolvidos, a figura do vereador simplesmente inexiste. A função é exercida – e a contento – por conselheiros de bairros, que uma vez ou duas ao mês se reúnem para discutir os problemas das suas comunidades e tratar de questões da cidade.

Um detalhe importante: esses conselheiros são votados distritalmente, não recebem remuneração, não têm direito a nomear funcionários comissionados nem dispõem de verbas de gabinete, assessores, secretárias, motoristas e outras regalias pagas com dinheiro do contribuinte.

Os conselheiros vivem do dinheiro que ganham em suas profissões. E nos dias em que precisam se afastar do emprego para assumir a representação comunitária, são indenizados com uma remuneração referente a um dia de trabalho.

Alguém acha que com um sistema semelhante no Brasil, haveria tanta gente interessada no cargo?

Pois bem. Sábado, os dois primeiros suplentes de vereador tomaram posse nos cargos em Bela Vista de Goiás (GO). Em solenidade concorrida, com discursos e foguetório.

Ontem, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Carlos Ayres Britto, enviou ofício aos presidentes dos tribunais regionais eleitorais informando que, no entendimento do TSE, as novas vagas de vereadores criadas pela PEC só poderiam ser preenchidas a partir da próxima eleição municipal, em 2012.

Tarde demais. Várias posses já estão marcadas pelo País. Inclusive em Pernambuco. São Caetano e Toritama foram as duas primeiras cidades onde as câmaras anunciaram que vão dar posse aos suplentes beneficiados com a emenda.

Se a moda pega, a onda de ampliações vai se alastrar. Em algumas cidades, de acordo com os cálculos da PEC, o número de novos vereadores pode chegar a dez. Casos como São Luiz do Maranhão e Maceió das Alagoas. Dois lugares onde a política ainda é feita à moda dos coronéis.

E não bastasse o drama do aumento das vagas, há quem ainda faça uso político disso. Em alguns municípios onde os prefeitos têm minoria no legislativo, a ampliação começa a ser vista como uma arma para virar o jogo.

Basta que os suplentes beneficiados sejam aliados do governo. Pronto! É maioria garantida na câmara. E o contribuinte é, mais uma vez, apenas um detalhe.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009











E agora, Lula?


A grande novidade da nova rodada da pesquisa CNI/Ibope sobre a sucessão presidencial, divulgada ontem, não é a queda de quatro pontos no índice do líder, José Serra (PSDB). Nem o bom desempenho da estreante Marina Silva (PV), que de saída já recebeu 8% das intenções de voto.

Novidade mesmo é o tamanho da dor de cabeça que o levantamento gerou no alto escalão do PT, com a ascensão do presidenciável do PSB, Ciro Gomes.
Ainda falta um ano para as eleições, e ele já ultrapassou a ministra Dilma Rousseff, preferida de Lula para representar o lado governista na disputa.

Ciro, que em junho aparecia em terceiro lugar, foi para a vice-liderança da corrida, com 17%. Dilma, ao contrário, aparece agora com 15%. Perdeu quatro pontos percentuais em relação à pesquisa de junho, e também perdeu a segunda posição para o socialista.


Soou um alerta geral no Palácio do Planalto. Afinal, como aliado de primeira hora, o PSB não deve ser magoado. E muito menos, combatido. Já desconfiado que o cenário pré-eleitoral ia se complicar, o presidente Lula fez o que pode para evitar mais esse revés da sua candidata.

O apelo pessoal, feito ao presidente nacional do PSB, governador Eduardo Campos, um fiel escudeiro, não deu resultados.
Lula, então, inventou um plano B para Ciro Gomes. Sacrificaria os planos de alguns petistas da sua mais alta estima ­- como Marta Suplicy, Antonio Palocci e José Genoíno -, para ceder a vaga de candidato do Planalto ao governo de São Paulo para o deputado federal cearense, nascido em Pindamonhangaba (SP). Também não funcionou.

Embora ciente de que São Paulo é "um país dentro de um país", Ciro se manteve irredutível. Já disputou duas eleições presidenciais sem sucesso, mas, baseado no exemplo do próprio Lula, pretende insistir até conseguir.

Quem gosta de política, sabe de cor o jargão: pesquisa é o retrato de um momento. É verdade. Tudo pode mudar até outubro de 2010. Mas para que mude mesmo, é preciso que os protagonistas se movimentem de forma mais clara e decidida.

E que movimentos a mais Lula poderia fazer em favor de Dilma? Só não carregou a ministra nas costas porque pegaria mal. Mas até já puxou a aliada para cima de um trator. Levava a presidenciável no bolso do colete para qualquer solenidade, de qualquer setor do governo, fosse em que Estado fosse. E só deu um tempo quando ela precisou tratar um linfoma.

Se botar mais um pouco de empenho, o presidente corre o risco de terminar acusado pelos concorrentes de usar a máquina administrativa em favor da sua candidata. Um hábito condenável, que - se não me falha a memória - os petistas, quando na oposição, costumavam sempre apontar nos seus adversários.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009










Governismo epidêmico

Faltam pouco mais de dez dias para o término do prazo de filiação partidária para candidatos às eleições do próximo ano, e até agora não se viu tanto troca-troca de legendas como na disputa passada. O que não é surpresa. Afinal, depois que a Justiça Eleitoral promulgou a resolução estabelecendo a fidelidade partidária - medida que o Congresso Nacional deveria ter votado, mas se recusou - quem mudar de sigla sem justificativa apropriada pode perder o mandato.

A aproximação da data final, porém, deve revelar novo surto de uma doença que costuma pegar de jeito uma ampla faixa de políticos brasileiros: o governismo. Os sintomas - nem sempre muito evidentes - consistem em mudanças bruscas de posição política, um inexplicável sentimento de simpatia pelo governante ao qual o acometido da doença costumava fazer oposição, amnésia e negação do próprio passado.

Se você percebeu algum desses sintomas no político em que votou, não se assuste. O governismo não mata. Ao contrário, promove. Via de regra, deixa a "vítima" mais poderosa e mais ativa. Às vezes até um pouco mais rica. Em outras, aumenta o potencial de votos. No ápice, pode garantir até uns carguinhos extras.

O governismo só é nocivo ao eleitor e à sociedade. Afinal, político brasileiro vinculado a uma ideologia política ou a conteúdos programáticos de um ou outro partido, é algo raro. Política, hoje, se faz por conveniência, afinidades pessoais e oferta de vantagens.

Por isso a expectativa quanto ao encerramento do prazo de filiações de candidatos. A data será uma espécie de termômetro, que vai auferir se a febre do governismo aumentou ou diminuiu.

Em Pernambuco, a doença está cada vez mais espalhada. Nos próximos dias, deve contaminar um bom número de prefeitos e vereadores. E certamente chegará com mais potência à Assembleia Legislativa.

Já na esfera nacional, diante da indiscutível força política da máquina governista pilotada pelo presidente Lula - alimentada pelo Bolsa-Família e agora movida a petróleo do pré-sal -, é provável que o governismo, a partir de outubro próximo, ganhe uma dimensão epidêmica.

Os "pacientes" passarão por um período de aproximadamente um ano de incubação. A má notícia - para eles - é que apesar da contaminação voluntária, nem todos conseguirão a cura nas urnas de 2010.

terça-feira, 15 de setembro de 2009















Sem tesão não há eleição

Candidato a presidente estadual do PT pelo Campo de Esquerda Unificado (CEU), o deputado federal Fernando Ferro não foi feliz ao afirmar que a mídia brasileira sente "prazer sexual" em atacar o seu partido. Afinal, a imprensa - ao menos a parte responsável dela - costuma se limitar a reproduzir críticas de adversários ou publicar análises baseadas em fatos produzidos pelos próprios políticos.


Mas quem precisa de adversário no PT? Uma das melhores e mais lúcidas definições sobre o momento atual da legenda foi feita ontem, no Recife, por um petista do alto escalão, o deputado federal brasiliense Geraldo Magela. Colega de Ferro na Câmara dos Deputados, Magela é candidato do Movimento PT à presidência nacional do partido, com o apoio do parlamentar pernambucano.

Disse Magela: "O PT se transformou numa secretaria de homologações de indicações do governo Lula. Muitas vezes, de uma só tendência". A intenção do parlamentar era a de atacar os adversários do Construindo um Novo Brasil (CNB), tendência que há anos mantém a hegemonia do partido, e pretende dar continuidade ao monopólio nas eleições internas que o PT realiza em novembro, agora com a candidatura do sergipano José Eduardo Dutra.

A crítica de Magela, porém, termina por explodir no colo de todo o partido. Afinal, quem trabalhou para eleger Lula foi somente o pessoal do CNB? O então presidenciável petista não teve também o apoio integral do CEU?

Difícil, mesmo, é ser governo. Essa é a conclusão a que muitos já chegaram, mas que parece faltar a uma larga fatia de petistas, que ainda pensam estar no papel de pedra. Ou seja, de oposição.

Desde que virou vitrine - ou seja, governo - o PT tem chiado muito as críticas, inerentes a quem quer que esteja no poder.
Deveria, isto sim, aproveitá-las, para aperfeiçoar sua administração e, principalmente, sua postura política. Que, aliás, a cada dia vem perdendo mais "sex appeal", assumindo um comportamento cada vez mais institucional e deixando de ser atraente para o eleitor. Ao menos para aquele eleitor que, no passado, tinha o maior tesão pelo PT.



sexta-feira, 11 de setembro de 2009














O animal político

Engana-se quem pensa que esta quinta visita do presidente Lula a Pernambuco em 2009, que acontece nesta sexta-feira, tem um caráter menos político que as anteriores. Lula só para de fazer política quando dorme. Se é que não sonha todas as noites com a eleição da ministra Dilma Rousseff para o seu lugar, em 2010.

Os eventos previstos na agenda do presidente são todos efetivamente econômicos. Tem cais em Suape, indústria naval, indústria alimentícia e centro de tecnologia de medicamentos. Até a inauguração da escola profissionalizante de Ipojuca tem lá sua derivação, já que visa a colocação de jovens no mercado de trabalho.


Dessa vez, Dilma não integra a comitiva presidencial no Estado. Ficou em Brasília, de repouso, recuperando-se do duro tratamento contra o linfoma. Mas isso não impede Lula de fazer política. Aliás, proselitismo político.

Prova disso é que duas das cinco obras "inauguradas" por ele hoje já estavam em pleno funcionamento desde janeiro. O moinho da Bunge Alimentos, em Suape, e a Escola Profissionalizante de Ipojuca. As festas, nesses dois lugares, não passaram de pirotecnia eleitoral.


Quanto ao Cais 5 de Suape, embora tenha sido inaugurado - de verdade - hoje cedo pelo presidente, teve quase toda a sua construção bancada por dinheiro azul e branco, dos cofres estaduais, ao contrário dos outros píeres, que receberam gordas fatias de verbas federais.


Nada disso inibe a fome política de Lula. E da mesma forma como fez ao longo de sete anos de governo com o Bolsa-Família e, depois, com o PAC, em cada discurso que fez em Pernambuco Lula deu um jeito de inserir o novo mote da campanha petista de 2010: o pré-sal.

Fosse em Suape, numa indústria de alimentos ou numa escola técnica, o pré-sal estava na fala presidencial como a nova tábua de salvação do Brasil. E sempre temperado com elogios aos aliados políticos, cuja colaboração nesses sete anos de gestão petista foram - segundo o chefe - imprescindíveis para o País "dar certo".


Bom, se um comportamento como esse não é pura política, imagine quando a campanha presidencial estiver deflagrada oficialmente?





quarta-feira, 9 de setembro de 2009
















Confiança só, não basta

A pesquisa CNT/Sensus divulgada ontem é, como todas as demais, um retrato do momento. E o que esse retrato diz, agora, deveria servir como um sério alerta aos petistas sobre os riscos do excesso de confiança.

A pesquisa revela que o presidente Lula perdeu, nos últimos três meses, quase cinco pontos percentuais na sua popularidade. Foi de 81,5% em maio para 76,8% em setembro. A avaliação positiva do governo caiu outros 4,4 pontos, ao tempo em que o número de eleitores que desaprovam a gestão subiu três, passando de 15,7% para 18,7%.

O alerta não é restrito a Lula, mas extensivo à presidenciável do PT, ministra Dilma Rousseff. Ambos vêm agindo de olhos completamente voltados para a eleição, sem dar sinais de preocupação com o que pensa a sociedade a respeito dos seus atos.

Hoje, mais do que nunca, todos os movimentos do Planalto apontam no sentido da disputa de 2010. Seja em grande dimensão, como na festança pública do pré-sal, seja em pequenos espaços, como na liberação de rubricas orçamentárias para os aliados.

O apoio irrestrito ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), foi, sem dúvidas, um dos maiores tiros no pé. Não bastasse a “marolinha” da crise econômica mundial ainda a lamber-lhe as canelas, e uma pandemia de gripe a lhe escorrer pelo nariz, Lula peitou toda a sociedade – escandalizada com o caminhão de desmandos promovidos por Sarney –, ao defender ostensivamente o aliado. Não admitia por em risco o apoio do PMDB à candidatura de Dilma. Só largou a corda quando a situação ficou insustentável.

Da mesma forma, o presidente cavou uma trincheira para sua candidata-ministra da Casa Civil quando explodiram nas manchetes as acusações da ex-secretária da Receita Federal, Lina Vieira, de que Dilma a teria convocado para uma reunião informal com o objetivo de aliviar a barra dos Sarney com o fisco.

Como resultado, a presidenciável em cujos ouvidos sopraram que já estava praticamente eleita caiu 4,5 pontos percentuais na pesquisa de intenção de votos divulgada ontem pela CNT/Sensus, em relação ao levantamento feito em maio.
Além do desgaste do episódio Lina Vieira, outra novidade com nome e sobrenome veio atazanar Dilma: Marina Silva.

A entrada da senadora acreana no PV e, eventualmente, na disputa presidencial, abalou as estruturas do palanque petista. Prova disso é que em maio – ainda sem Marina – Dilma cravou 23,5% na pesquisa CNT/Sensus, para deleite do Planalto. Agora em setembro, porém, já com a adversária verde no páreo, caiu para 19%.

A presença de Marina é um fator tão incômodo para os petistas que forçou até um upgrade de emergência no discurso. De desenvolvimentista convicta desde que assumiu o Ministério das Minas e Energia, ainda no primeiro mandato de Lula, Dilma vai passar à condição de militante ambientalista veterana. Engajada desde pequenininha no tema da moda: sustentabilidade.

Enfim, parecem ser estas as entrelinhas da pesquisa CNT/Sensus. Ao menos para o Palácio do Planalto. Que deveria perceber, de uma vez por todas, que diante de tanta lama e desmoralização no poder central, excessos de confiança já não passam mais tão despercebidos ao eleitor atento.

domingo, 6 de setembro de 2009
















A ministra do dedo verde

Quando assumiu o Ministério das Minas e Energia, em janeiro de 2003, a até então obscura economista Dilma Rousseff tinha como meta evitar, a todo custo, um novo apagão. E levou a missão ao pé da letra.

Defensora das privatizações no setor – ao contrário de muita gente do seu partido – ela estimulou a produção de energia, inclusive com do uso dos rios para hidrelétricas, carvão e petróleo nas termoelétricas, e o que mais conseguisse arranjar.

Vez por outra, batia de frente com ambientalistas, inclusive o ministro da área, Gilberto Gil. Mas cumpriu a função que lhe fora designada, com as bênçãos do presidente Lula, que de tão satisfeito, a promoveu a ministra da Casa Civil.

Pois bem, no País da memória curta, qual não foi o susto de muita gente ao descobrir, ao longo da última semana, que Dilma Rousseff tem consciência ambiental e ecológica. Isso mesmo! E mais ainda: elegerá como uma das suas prioridades, a partir de agora, um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia.

Esse plano – uma espécie de PAC do meio ambiente – foi encomendado por Lula às pressas, minutos após a filiação da ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ao Partido Verde, legenda pela qual ela deverá disputar a Presidência da República contra... Dilma!

Com os temas ambientais em alta, mais do que nunca, no mundo inteiro, Lula não perdeu tempo. Não pretende assistir todo o esforço que vem fazendo para eleger sua ministra da Casa Civil descer rio abaixo, com hidrelétricas e tudo.

Vale lembrar que, para conseguir a implantação do Fundo da Amazônia, a própria Marina Silva – e depois seu sucessor, Carlos Minc – tiveram que enfrentar vários embates com a ministra da Casa Civil, encarregada por Lula de tratar do assunto, ao qual ela não costumava dar a real importância.

De fato, até a entrada de Marina no páreo Dilma jamais tinha agregado a questão ambiental ao seu discurso. Não combina com ela. Seu foco é, e sempre foi, exatamente o contrário disso: a “mãe do PAC” defende com unhas e dentes a ampliação da infra-estrutura do País, custe o que custar. Inclusive ao meio ambiente.

Diante do fator Marina – que chegou assustando os petistas, por ser uma presidenciável mulher, ligada aos movimentos sociais e com consciência ecológica – Dilma está imersa em seu gabinete, tomando aulas sobre questões ambientais e desenvolvimento sustentável. Na cartilha, elaborada para ela a toque de caixa, temas como o aquecimento global, o desmatamento da Amazônia, energias renováveis e tantos outros.

Agora é só esperar as próximas aparições públicas da presidenciável petista. Cujo discurso, certamente, estará mais “verde” do que nunca. Ao menos até outubro de 2010.



quarta-feira, 2 de setembro de 2009


















Imortal como nunca!

Ele já havia se imortalizado pelo estilo agressivo, tipo rolo-compressor, de fazer campanha. Embora fosse considerado "zebra" no início da disputa, chegou à Presidência da República, prometendo caçar os marajás do serviço público.

Em seguida, se imortalizou como o primeiro presidente brasileiro a sofrer um processo de impeachment. Embora tenha renunciado poucas horas antes da decisão final do Congresso, que o afastaria do cargo.

Também se imortalizou pelo bem montado esquema de corrupção durante seus dois anos de governo, com a ajuda do ex-tesoureiro de campanha. Embora seus sucessores tenham caprichado nas tentativas de superá-lo nessa área.

Mas agora, é oficial. Fernando Collor de Mello foi eleito para a cadeira nº 20 da Academia Alagoana de Letras, assumindo de vez o título de imortal. Embora ainda não tenha escrito sequer um livro. Seu pai, o ex-senador Arnon de Mello, foi um dos integrantes da instituição, que tem como membros mais famosos o ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, Ledo Ivo, e o lexicógrafo Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira.

Collor se apresentou como candidato único à vaga que pertencera ao médico Ib Gatto Falcão, falecido em dezembro passado. Debaixo do braço, trazia algumas plaquetes de discursos proferidos e um esboço do que promete ser seu primeiro livro, contando a sua versão do processo que o levou à renúncia, em 1992.

Na Academia Alagoana de Letras há 40 cadeiras. Dos 39 atuais integrantes, 30 apareceram pela manhã para votar. Collor obteve 22 votos em seu favor. Os outros oito foram em branco. Não se sabe se por falta de opção ou crise de consciência dos seus autores.

Um detalhe importante: o principal interessado não compareceu à votação. Estava em Brasília, cuidando das atividades no Senado. Ponto pra ele! Afinal, depois de 14 anos sem mandato - oito dos quais com os direitos políticos cassados, à revelia, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) - que bom que demonstre interesse no trabalho legislativo.

Trabalho do qual esteve licenciado por duas vezes. Na primeira, afastou-se do Senado logo após a posse, de 1º de fevereiro a 29 de agosto de 2007, para tratar de "interesses pessoais". Foi substituído pelo primo e primeiro suplente Euclydes Mello.

Na segunda licença, em 2008, saiu por 120 dias para participar das campanhas de candidatos do PTB a prefeito em Alagoas. Dessa vez, o próprio Euclydes Mello era candidato à Prefeitura alagoana de Marechal Deodoro. Collor foi então substituído pela segunda suplente, Ada Mello. Atenção aos sobrenomes: sim, Ada também é prima de Collor.

Assim se faz política em Alagoas.















Remendos na reforma

Chegam a dar pena as tentativas dos deputados e senadores de elaborar uma reforma eleitoral às pressas, para vigorar em 2010. Sobretudo por dois aspectos: o primeiro, enfadonho já, é o tom casuístico do projeto, que deixa de lado itens capitais para a melhoria das condições políticas do País, como o voto em listas fechadas, o fim das coligações, a cláusula de barreira e o financiamento público de campanhas.

Em vez disso, os congressistas se debruçam sobre questões menores, que poderiam ser resolvidas no bojo de uma normatização simples. Menores para nós, eleitores, porque para eles são estratégicas para a renovação dos mandatos.

Há questões polêmicas mantidas no texto da proposta que deve ir à votação ainda esta semana no Senado, como a manutenção dos candidatos ficha-suja: políticos com pendências na Justiça, contas rejeitadas ou respondendo a processo não transitado em julgado poderão concorrer.

A proposta de reforma relâmpago mantém ainda as doações indiretas e ocultas aos candidatos. O dinheiro pode ser dado aos partidos, que o repassará aos candidatos pelos respectivos comitês. O eleitor fica impedido de saber quem doou ao candidato.

O segundo aspecto confirma o despreparo dos nossos parlamentares. Ninguém consegue chegar a um consenso sobre a legislação eleitoral para a internet. Território livre e ainda uma novidade, a questão tem deixado os deputados e senadores perdidos.

A decisão mais concreta a que se conseguiu chegar foi proibir a propaganda eleitoral paga em sites da rede. Hoje em dia, se candidatos mais ricos saem em vantagem sobre os menos endinheirados na campanha tradicional, imagine se isso se estende à internet, que até o momento tem sido o ringue mais equilibrado?

O projeto também estabelece punições para portais jornalísticos que dêem tratamento diferenciado a algum candidato. Mas não explica como vai controlar os pequenos sites pessoais e os blogs.

É bom lembrar que na campanha eleitoral nos Estados Unidos, o vencedor Barack Obama usou com eficiência as chamadas redes sociais da internet. O que lhe garantiu um verdadeiro exército de cabos eleitorais voluntários, e uma arrecadação de meio bilhão de dólares em doações online. Tudo sob a vigilância dos órgãos de fiscalização.

De acordo com a proposta em votação no Congresso Nacional, as doações de pessoas físicas pela internet serão permitidas, com o limite de 10% da renda atual do cidaão doador. Quanto às empresas, essas não poderão financiar campanhas pela rede.

Difícil vai ser controlar tudo isso, num país onde o caixa dois de campanha nunca foi permitido, e no entanto...

terça-feira, 1 de setembro de 2009





















Top 3 Nacional

Pois é! O Pólis chegou lá, com a ajuda dos leitores. Quando criei este blog, meu objetivo era garantir, enquanto jornalista político, um espaço para opinião e crítica.

Hoje, este espaço está classificado entre os três melhores blogs de política do País, no Prêmio Nacional TopBlog. E em duas categorias: Juri Popular (vocês), e Juri Acadêmico. O resultado sai em breve!
Veja os finalistas no site TopBlog.

Agradeço desde já a todos que votaram no meu blog.













Uma conta (pré)salgada

Lá vai Lula de novo, mais uma vez colocando a sucessão presidencial de 2010 acima dos pontos de pauta mais importantes do seu governo.

Agora, é a vez do pré-sal. A descoberta mais importante da década, em termos de matriz energética, vai, aos poucos, se transformando em combustível para alimentar a candidatura de ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, presidenciável do PT.

Para regulamentar a exploração das novas fontes petrolíferas brasileiras, o presidente precisa do aval do Congresso Nacional. Que, como todos sabem, não faz nada de graça. Nem que seja movido pelos interesses nacionais.

Coube a Lula, então, atender mais uma vez aos aliados e a si próprio. Em meio a reuniões com adversários e solenidades teatrais, enviou rapidamente ao Congresso o pacote de quatro projetos que precisam de aprovação do Legislativo para que o pré-sal comece a ser explorado.

Não deu atenção nem à Confederação Nacional da Indústria, que em nota aconselhou o Planalto a tratar o assunto com a sociedade, antes de sair aprovando leis impensadas, a toque de caixa.

Não se explica – a não ser pelo fato de as eleições se avizinharem – essa pressa do Planalto. Primeiro, enviou as matérias em regime de urgência. Depois, retirou o pedido de agilização. Em seguida, mandou novamente os parlamentares se apressarem.

Por que tudo isso se, afinal, o petróleo já é nosso? Está ali, nos veios que cruzam os subsolos do Brasil há muitos anos. Para que empurrar a votação em 90 dias – como determina o regime de preferência – se o trabalho de prospecção é lento e gradual?

Porque a prospecção dos votos para Dilma não é. Precisa ser rápida, para tentar ultrapassar o favoritismo de José Serra (PSDB), evitar a aproximação de Marina Silva (PV) e, acima de tudo, vencer o desgaste tradicional de todo final de governo.

Deve ser por isso que Lula não abre mão de colocar nas relatorias dos projetos, deputados e senadores do PT e do PMDB, os dois maiores partidos da base aliada. Nada de dar chances para a oposição tirar qualquer proveito da descoberta, ainda que ela esteja acima dos interesses eleitorais, e sirva para ajudar muito o Brasil na guerra pelo mercado de combustíveis.

De fato, a chama que impulsiona Lula e sua turma, hoje, é mesmo outra. Que eles pretendem manter acesa por pelo menos mais quatro anos.

















Anistia - 30 anos

Veja a série de reportagens que publicamos no JC entre os dias 28 e 30 de agosto com o objetivo de marcar a data com temas atualizados

Uma conquista incompleta
Publicado em 28.08.2009

Paulo Augusto e Sérgio Montenegro Filho
politica@jc.com.br

Há exatos 30 anos, o general João Baptista de Figueiredo – último da linhagem de militares pós-golpe de 64 – promulgava a Lei da Anistia. Na opinião da caserna, o ato deveria fechar feridas e ajudar a esquecer um pesadelo que durou duas décadas. Mas a canetada de Figueiredo, articulada habilmente alguns anos antes pelo seu antecessor, Ernesto Geisel, ao contrário de dirimir, suscitou mais dúvidas sobre as ações da ditadura militar. Algumas que perduram até hoje. Embora muitos militantes e familiares tenham sido indenizados pelo governo, boa parte deles continua sem saber o paradeiro dos seus mortos, e cobra a abertura dos arquivos secretos. O outro lado, que desde a redemocratização vinha se mantendo em silêncio, decidiu contra-atacar: agora, quer uma fatia das indenizações. De hoje até domingo, o JC reabre a discussão sobre uma conquista popular que a própria sociedade considera ainda incompleta.Caía a tarde do dia 28 de agosto de 1979 quando o presidente João Figueiredo sancionou a polêmica lei 6.683/79, que anistiava autores de “crimes políticos ou, conexos com estes, crimes eleitorais”. O texto havia sido aprovado seis dias antes pelo Congresso Nacional por uma apertado placar: 206 votos favoráveis e 201 contrários. Mas se havia insatisfeitos entre os apoiadores do regime militar com o processo de abertura política, entre os opositores nem tudo era sorriso. Até chegar ao formato do projeto que seria submetido à votação no Congresso Nacional, naquele dia 22 de agosto, dois grandes grupos se enfrentaram arduamente.
Liderado pelo PCB, o Comitê Feminino pela Anistia – que congregava outras facções da esquerda mais moderada – concordava com o esboço da lei apresentado pelo governo. Já o Comitê Brasileiro pela Anistia, tinha como principal pilar o PCdoB – que acabara de perder militantes na Guerrilha do Araguaia, debelada em 1973 pelas forças de repressão –, que não aceitava o jargão “ampla, geral e irrestrita”. Queria acrescentar a expressão “não-recíproca”.
Essa ala mais radical dos comunistas advertia desde aquela época que, da forma como estava colocada, a lei não beneficiaria apenas políticos, estudantes, sindicalistas e militantes presos, exilados e com direitos cassados. Também perdoaria as ações dos chamados “agentes do Estado”, inclusive os torturadores. E mais: trazia no seu bojo dispositivos que excluíam militantes acusados de “crimes de sangue” – responsáveis por atentados e assassinatos de agentes ou simpatizantes do regime – e políticos considerados perigosos à segurança nacional. Os ex-governadores Miguel Arraes e Leonel Brizola figuravam no topo dessa lista, assim como figuras de destaque no cenário da época, como o líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião.
Mesmo um substitutivo apresentado pela Arena – partido governista – não acalmou de todo os ânimos, embora tenha ajudado a garantir a aprovação do projeto, que ao final permitiria o retorno de exilados e a libertação de centenas de presos políticos. “A anistia, da forma proposta pelo governo, era mais do que eles queriam, mas menos do que nós desejávamos”, diz ainda hoje o jornalista e escritor Marcelo Mário de Melo. Ex-militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Marcelo foi preso em março de 1971 e libertado em abril de 1979, pouco antes da aprovação da lei.
Para o ex-magistrado e ex-deputado federal constituinte Egídio Ferreira Lima, houve uma “singularidade perversa” na anistia. “Estava tudo pronto, mas eles (o governo) esperaram as eleições de 1978. Só fizeram a lei um ano depois, para que os cassados não pudessem concorrer a cargos eletivos. Com isso, adiaram por mais quatro anos nossas chances de chegar ao poder pela via institucional”, afirma Egídio, que no início de 1969 teve seu mandato de deputado estadual cassado pelo AI-5, mas recusou-se a seguir para o exílio, tornando-se uma referência para consultas – sobretudo jurídicas – dos militantes pernambucanos.
Não é a toa que em meados de julho de 1979, quando ocupava o cargo de conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, foi chamado a dar parecer sobre o projeto elaborado pelo governo. “Eles aproveitaram algumas sugestões minhas, mas faltou muita coisa à base do projeto, cunhado por Petrônio Portela”, diz, referindo-se ao ministro da Justiça do governo Figueiredo, notabilizado anos antes como condutor da “Missão Portela”, que ensaiou os primeiros passos da política de “distensão gradual e segura” empreendida por Ernesto Geisel presidente
“A Lei da Anistia é ambígua, porque sugere uma autoabsolvição antecipada do Estado de qualquer responsabilidade jurídica em relação a crimes cometidos por seus agentes”, afirma o vereador olindense Marcelo Santa Cruz, ex-militante e hoje advogado da área de direitos humanos.
À época apenas advogado, o hoje deputado federal Roberto Magalhães levanta a voz contra as críticas à Lei de Anistia. Ele considera perigoso para a democracia promover, após 30 anos, o aprofundamento da discussão sobre o alcance da iniciativa. “A anistia encerrou um momento de conflito extremado de forças, com mortes de ambos os lados. Reabrir isso é quase uma insanidade, é radicalismo”, contesta. “O que se pretende com isso? Reabrir feridas, voltar ao passado? Isso é falta de patriotismo, num país pacificado e democrático como o Brasil”.

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Famílias de militantes lutam pela abertura de arquivos secretos Publicado em 28.08.2009

Para grupos de familiares de militantes desaparecidos durante o regime militar, embora promulgada há 30 anos, a Lei de Anistia ainda está longe de pacificar o País. Até hoje sem notícias dos seus mortos, eles insistem na abertura de todos os arquivos secretos da ditadura. No seu primeiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Congresso Nacional projeto nesse sentido, hoje ainda em tramitação. Mas independente da iniciativa, militantes dos direitos humanos avaliam que falta força ao governo para cobrar tal ação.
Para alguns desses militantes, falta disposição ao governo para enfrentar a cúpula militar, que não pretende abrir mão facilmente dos seus segredos. “Quem tem arquivos secretos, deveria entregá-los. O poder civil mostra que ainda não tem controle sobre as Forças Armadas”, critica o jornalista Marcelo Mário de Melo, defendendo uma reforma militar no País. Segundo ele, houve avanços desde o dia 28 de agosto de 1979, sobretudo nos dois últimos governos, mas muito ainda precisa ser feito.
Há quem afirme que o dia de promulgação não representa a data real em que a Lei de Anistia passou a vigorar de fato no Brasil. Para o jurista pernambucano José Paulo Cavalcanti Filho, por exemplo, ela teve início com um gesto do então presidente Ernesto Geisel, ao propor a distensão “lenta, gradual e segura”. Teve prosseguimento a partir das articulações dos ministros Petrônio Portela (Justiça) e Golbery do Couto e Silva (Casa Civil), mas só se tornaria irreversível quase um ano após ser sancionada por João Figueiredo. Mais precisamente depois do atentado à bomba no Riocentro, promovido por agentes da linha-dura do regime militar no Rio de Janeiro, em 1980, durante uma festa do Dia do Trabalhador, como represália ao processo de distensão política. “Somente ali se consolidou o processo, e não havia mais como combatê-lo”, conclui.

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Manifestações e protestos pelo País para marcar a data
Publicado em 28.08.2009

Ex-militantes, familiares de mortos e desaparecidos e integrantes dos movimentos pelos direitos humanos realizam hoje, em vários Estados do País, manifestações de comemoração e protesto para lembrar a assinatura da Lei de Anistia. No Recife, o ato acontece às 16h, na Praça Padre Henrique, na Rua da Aurora, em frente ao Momumento Tortura Nunca Mais. Organizado pelo Fórum de Anistia, a solenidade traz o bordão “Pelo Direito à Verdade, à História e à Memória!”.
Segundo os organizadores, desde a promulgação da anistia, lutas pontuais têm restabelecido direitos e promovido indenizações financeiras, mas falta o principal: a recuperação dos restos mortais dos militantes mortos e a punição dos responsáveis pelos crimes. “A não abertura de todos os arquivos daquele período impede o livre acesso às informações e não permite aos familiares desvendar os locais onde foram enterrados os corpos seus entes queridos”, diz o Fórum da Anistia, em nota divulgada à imprensa. A solenidade contará com a participação de várias entidades do movimento popular, associações e partidos políticos.
BRASÍLIA
Na próxima segunda-feira, a Lei da Anistia será lembrada nacionalmente em Brasília, às 16h, durante uma sessão solene da Câmara dos Deputados. A iniciativa partiu do deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ), em conjunto com vários parlamentares. “Já três décadas se passaram desde a publicação da lei. Precisamos comemorar a luta pela democracia e rememorar, sobretudo para as novas gerações, os ásperos tempos da ditadura militar, garantindo que o autoritarismo não se repetirá”, afirma Alencar, acrescentando uma crítica às “formas disfarçadas de imposição que existem ainda hoje no País”.

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Os filhos do exílio
Publicado em 29.08.2009

Paulo Augusto e Sérgio Montenegro Filho
politica@jc.com.br

Longe dos amigos, dos vizinhos, do verdadeiro lar. O exílio ou a clandestinidade, antes de qualquer um dos muitos males conhecidos, despertam no cidadão um sentimento único e doloroso: o de ser um excluído da sociedade. Esse é um pensamento unânime dos filhos de políticos e militantes exilados ou perseguidos pelo regime de exceção pós-64. Eles não são, porém, tão unânimes ao analisar a Lei de Anistia, promulgada em 28 de agosto de 1979, que permitiu aos seus pais deixar os esconderijos ou voltar ao Brasil. Esse é o tema da segunda reportagem da série sobre os 30 anos da Anistia, que o JC publica até amanhã.Para os que já eram nascidos, frequentavam escolas e mantinham laços de amizade, o susto foi maior. Deixar tudo para trás sem entender o que estava realmente acontecendo. Para os que nasceram na clandestinidade, porém, o sofrimento não foi menor. Desconhecidos apareciam do nada e, de repente, a família mudava novamente de casa.
“Ficamos entre Pernambuco e Alagoas. Eu nasci em Carpina, em 72, numa granja onde amigos deixaram minha família se esconder por uns tempos. Minha mãe ensinou a mim e meus irmãos a ler e escrever com uma lista telefônica. Só tive casa, mesmo, depois da anistia, em 79”, relembra o sindicalista Diogo Sales, filho do também sindicalista José Sales, já falecido. Sales pai presidia o então fortíssimo Sindicato dos Tecelões de Moreno, era militante do MDB e se opunha ao grupo político de Constâncio Maranhão, empresário local. Com o golpe, houve a intervenção no sindicato e ele passou a ser procurado vivo ou morto. “Ele pegou minha mãe e meu irmão mais velho, que tinha quatro meses, e fugiu. Não podia trabalhar porque era conhecido aliado de Miguel Arraes”, conta Diogo, cujo pai sobreviveu até a anistia como feirante, mudando de cidade em cidade.
Para o médico e pesquisador Luiz Arraes, a situação era menos perigosa, mas não menos estranha. “Nenhum argumento me convencia de ter o pai preso. Só depois entendi a luta dele e a lógica daquilo”, diz o filho de Miguel Arraes, deposto em 1964 e exilado no ano seguinte, na Argélia. Junto com alguns dos nove irmãos, Luiz ficou morando com uma tia, e só seguiu ao encontro do pai em 1969. “Apesar da Argélia ser ocidentalizada na época, tinha cultura de país árabe. O choque foi grande”, conta Luiz.
Quem também voltou ao Brasil antes da família foi o hoje secretário estadual de Articulação Regional, Waldemar Borges Neto. Filho do deputado estadual cassado em 1969 Waldemar Borges Filho, o Deminha, ele rumou ao encontro da família para o Paraguai, e de lá para os Estados Unidos, onde o pai, ex-professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, recebera oferta para trabalhar na Organização dos Estados Americanos (OEA). “O exílio desagregou um pouco a família. Eu voltei antes dos meus pais, uma irmã casou com um estrangeiro, outra foi morar no Chile”, explica Wal, que assim que retornou ao Brasil, após a anistia, filiou-se ao MDB e seguiu os passos do pai na militância política.
Filho de Francisco Julião, o sociólogo Anatólio Julião foi para o exterior antes mesmo do golpe, em 1962, para estudar em Cuba – atendendo a um convite de Fidel Castro ao pai. Anatólio tinha 12 anos. “Fomos os primeiros exilados do País, pois já estávamos fora quando aconteceu o golpe”, conta. A decisão de sair do Brasil já tinha a ver com questões políticas. “Meu pai sofria ameaças de morte e sequestros. Viu no convite de Fidel uma boa chance de reduzir essas preocupações. Mas foi difícil.”
EXÍLIO AFETIVO
De acordo com a psicóloga Danielle Diniz, a privação do afeto é o primeiro sentimento presente no exilado. “É o sentimento de não-pertença. Você está num lugar como um estrangeiro, como alguém que não pertence àquele país, por melhor que a pessoa tenha sido acolhida”, explica. Segundo as palavras da psicóloga, “é um exílio político e também afetivo”. Por mais que dure, a vida no exílio também é formada por incertezas. Por isso, “vive-se com baixo-estima e não se consegue criar vínculos fortes. Os vínculos reais foram rompidos”.
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ENTREVISTA » THEODOMIRO ROMEIRO DOS SANTOS
“Eu não ia ser anistiado e fugi”
Publicado em 29.08.2009

Quem vê o juiz Theodomiro Romeiro dos Santos despachar em seu gabinete no Tribunal Regional do Trabalho, não imagina seu passado de combatente do PCBR e preso político. Aos 57 anos, ele lembra, nesta entrevista ao JC, os fatos que o notabilizaram como o primeiro militante armado a ser condenado à morte pela ditadura. Mesmo depois de muito esforço para comutar a pena e conseguir a liberdade, Theodomiro terminou excluído da lista de anistiados em 79. Diante da ameaça de morrer na prisão, escolheu a fuga, e somente em 85 voltou ao Brasil.JC – O que o senhor fez para se tornar o primeiro combatente da ditadura condenado à morte?

THEODOMIRO ROMEIRO – Estava num encontro clandestino com mais dois militantes do PCBR, no Dique do Tororó, em Salvador. A repressão soube e nos surpreendeu lá. Eu e outro companheiro, Paulo Pontes, fomos logo imobilizados. Um terceiro militante, Getúlio Cabral, conseguiu fugir atirando. Nos jogaram na parte de trás do jipe, algemados um ao outro, enquanto perseguiam Getúlio. Mas deixaram minha bolsa perto. Eu peguei minha arma, feri um agente da Polícia Federal e matei um sargento do Exército.
JC – Quanto tempo na cadeia?
THEODOMIRO – Dois dias na PF de Salvador, depois fui transferido para o Forte do Barbalho. Nos primeiros 12 dias fui muito torturado, depois ficou mais esporádico. Permaneci lá até março de 1971, quando fui para a Penitenciária Lemos de Brito, onde fiquei até agosto de 1979.
JC – Como evitou a pena de morte?
THEODOMIRO – Em 1971, fui condenado por um conselho de justiça improvisado. Apelei ao Superior Tribunal militar, que comutou a pena para prisão perpétua, também às pressas, por causa das manifestações populares aqui e no exterior, contra a minha condenação. No STM, houve um voto, do general Bizarria Mamede, contra a perpétua. Ele defendia 30 anos. Com base nisso, entrei com novo recurso e reduziram para 30 anos.
JC – Para o senhor, não houve anistia.
THEODOMIRO – Fiquei feliz de ver muita gente anistiada, companheiros sendo soltos ou retornando do exílio. Mas eu não ia ser anistiado, porque tinha cometido “crime de sangue”. O governo não ia conceder anistia ampla, geral e irrestrita. Readequaram a Lei de Segurança Nacional para manter presos os que mataram agentes da repressão. Mas com essa readequação, minha pena foi reduzida para 14 anos. Em 1979, eu pedi liberdade condicional e o Conselho Penitenciário aprovou por unanimidade, mas o auditor militar, que dizia que eu tinha amplas chances de ser solto, ao final, negou a minha liberdade.
JC – Por que o senhor fugiu, se a pena havia sido reduzida?
THEODOMIRO – Quando perguntaram por mim ao então governador baiano Antônio Carlos Magalhães, ele disse aos repórteres: “Theodomiro não vai ser anistiado. E vocês sabem, brigas na cadeia são uma coisa muito comum...” Aí eu não quis arriscar se era bravata dele. Haroldo Lima e Paulino Vieira, que estavam presos comigos, seriam soltos. Eu ia ficar sozinho. Então, fugi.
JC – Como o senhor escapou?
THEODOMIRO – Me escondi por uns dias no interior da Bahia, de onde segui para a Nunciatura Apostólica do Vaticano, em Brasília. Eles (a igreja) negociou com o governo brasileiro minha saída para o México, onde permaneci apenas por dez dias. Depois segui para Paris, onde vivi até novembro de 1985, quando finalmente fui anistiado e pude voltar.

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A lei também vale para torturadores?
Publicado em 30.08.2009

Paulo Augusto e Sérgio Montenegro Filho
politica@jc.com.br

Quem, afinal, merece o “prêmio” da anistia? Os torturados e perseguidos, esses obviamente que sim. E quanto aos torturadores, seus atos foram apenas crimes políticos – passíveis do perdão da lei? Eis uma questão que se encontra no centro de um debate atual, e que é tema da terceira e última parte desta série que o JC publica lembrando os 30 anos da Lei de Anistia.O cenário poderia ser um dos porões de qualquer quartel ou delegacia brasileira. De um lado, sob a pressão do ofício, um profissional, provavelmente membro do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi). Do outro, encurralado, um preso político, também chamado pela ditadura militar de “subversivo”. A missão: fazer com que o prisioneiro dê informações que ajudem a localizar outros “comunistas”. Assim, cumprindo ordens, o integrante do destacamento iniciava um interrogatório que, se necessário, terminaria em violentos atos de tortura – desde o espancamento, até métodos como pau de arara e choques elétricos.
Passados 30 anos da promulgação da lei nº 6.683 – a Lei da Anistia –, uma enorme e polêmica discussão encontra-se em pauta: este profissional, mais conhecido como torturador – que, cumprindo ordens de superiores, espancou, violentou, e por vezes matou prisioneiros –, também deve ser anistiado pelos seus crimes?
No cerne da questão está a interpretação da lei, pleiteada desde seus primórdios para que fosse “ampla, geral e irrestrita”. Para uns, a anistia veio para beneficiar os dois lados – tantos os perseguidos, quanto os perseguidores –, o que, na prática, foi o que aconteceu. Para outros, o significado era claro: benefício para os perseguidos, punição severa para os perseguidores – mesmo estes tendo cometidos “crimes políticos”, o que permitiria o benefício da lei.
Atualmente, a questão vem sendo tema de intenso debate envolvendo, inclusive, altas esferas do governo federal. Enquanto o ministro da Justiça, Tarso Genro, defende veementemente o julgamento dos torturadores, o ministro da Defesa, Nelson Jobim acredita que a anistia aprovada em 1979 beneficiou os dois lados. Semana passada, Genro expôs sua opinião: “Quem torturou, matou e cometeu violências nos porões da ditadura” não merece ser beneficiado pela lei. “Anistia não é amnésia”, disse. Para Jobim, a anistia promoveu “ampla reconciliação nacional” e “perdoou” os excessos cometidos dos dois lados.
Em relação ao assunto, o jornalista e escritor Marcelo Mário Melo, ex-preso político, entende que a questão é complicada. “Os nossos crimes foram todos punidos, enquanto eles (torturadores), que agiram em nome do Estado, ficaram impunes. Em outros países, como o Chile, os carrascos foram punidos”, afirmou.
Segundo o também ex-preso político e juiz do TRT-PE Theodomiro Romeiro dos Santos, “todo mundo sabia que a lei da anistia iria valer também para os torturadores. Agora, isso não é imutável. É uma questão de análilse jurídica, até porque vai de encontro ao direito internacional, que diz que crimes de tortura não prescrevem”, opinou.
A polêmica deve ser definida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que julgará ação impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), questionando os excessos cometidos nos anos de chumbo. Assim, quem sabe, será dado mais um passo para que a lei assinada em 1979 se torne um pouco mais completa.
REPARAÇÕES
Outra das tantas polêmicas envolvendo a anistia refere-à questão das pensões e indenizações. Segundo dados do Ministério da Justiça atualizados em junho deste ano (ver arte), desde 2001 já foram concedidos mais de R$ 2,6 bilhões em indenizações aos anistiados políticos que sofreram perseguição durante o regime militar. Porém, o tema está longe de ser resolvido – há uma enorme disparidade, por exemplo, entre o valor das indenizações e os que foram pagos às famílias das pessoas que foram assassinadas no regime.
Na avaliação da presidente da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Criméia Alice Schmidt de Almeida, há distorções entre as leis que regulamentam a reparação econômica aos anistiados (Lei nº 10.559, de 13/11/2002) e as indenizações dos parentes das vítimas (Lei 9.140, de 4/12/1995). “O que houve no Brasil foi um crime contra a cidadania. As pessoas deveriam ser indenizadas igualmente. É por isso que um morto e desaparecido acaba sendo menos valorizado do que alguém que perdeu emprego ou foi impedido de trabalhar”, compara.
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ENTREVISTA » PAULO ABRÃO
“Temos muito o que avançar”
Publicado em 30.08.2009

Presidente da Comissão de Anistia desde abril de 2007, Paulo Abrão é consciente das limitações do processo de anistia no País. Segundo o professor de Direito da PUC-RS, “a revelação da verdade ainda é pequena” e a justiça “ainda não encontrou meios de devolver aos atingidos a segurança que o Estado de Direito promete”. Nesta entrevista, Abrão fala também sobre a problemática questão das indenizações pagas aos ex-perseguidos políticos e se posiciona a respeito da punição aos torturadores do regime.JC – Após 30 anos, qual o balanço que o senhor faz da anistia? O Brasil conseguiu curar todas as suas feridas?

ABRÃO – Na América do Sul os processos de transição são extremamente longos. Se pegarmos as quatro medidas centrais para uma transição bem sucedida: a revelação da verdade, a reparação das vítimas, a reforma das instituições e o retorno do Estado de Direito, vemos que o Brasil ainda tem muito a avançar, mesmo em relação aos países vizinhos. A questão da reparação avançou muito, especialmente com os trabalhos da Comissão de Anistia e da Comissão de Mortos e Desaparecidos, mas a revelação da verdade ainda é pequena e a justiça ainda não encontrou meios de devolver aos atingidos pela ditadura a segurança que o Estado de Direito promete.
JC – Existem críticas com relação ao valor das indenizações pagas aos ex-perseguidos políticos. Qual sua posição?
ABRÃO – A Lei n.º 10.559 é extremamente assimétrica. Se de um lado existem indenizações muito altas para aqueles que perderam seus empregos, de outro as reparações para as vítimas de tortura, desaparecimento, prisões arbitrárias e toda a sorte de sacrifícios são muito baixas. Isso ocorre pois o Congresso Nacional fixou dois critérios de reparação. Quem perdeu o emprego em função de atividade política ou sindical deverá receber pensão mensal vitalícia equivalente ao que ganharia se estivesse na ativa, com efeitos retroativos até 1988. De outro lado, quem foi preso ou torturado ganhará 30 salários mínimos para cada ano que foi perseguido, em uma parcela única, com limite de R$ 100 mil. Assim, uma pessoa demitida pode ganhar uma prestação mensal e mais um retroativo altíssimo, e uma pessoa torturada ganhar 30 salários mínimos. A Comissão tem procurado resolver essa assimetria através da aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, mas uma mudança mais efetiva nos critérios depende do Poder Legislativo.
JC – A Comissão de Anistia, desde 2007, vem reduzindo os valores das indenizações. Por quê?
ABRÃO – Para aqueles que não tinham vínculos laborais a lei não oferece opção, a única forma de reparação é a prestação única até R$ 100 mil, independente de quanto tenham sofrido. Neste caso a Comissão nada pode fazer para reduzir injustiças. Já no caso da prestação mensal, a lei oferece dois critérios: a progressão ao topo da carreira e a média de mercado. Desde o governo FHC vinha-se aplicando a progressão ao topo da carreira. Isso gerava distorções enormes. Num exemplo simples: duas pessoas presas juntas por dois anos, que sofreram as mesmas privações, uma era estudante de medicina do último ano, outra recém formada trabalhando em um hospital. Para a primeira a reparação será uma parcela única de 60 salários mínimos, para a segunda uma reparação mensal até o final da vida no valor do salário de um médico, mas retroativos até 1988. Antigamente supunha-se que a segunda pessoa poderia ter chegado ao topo da carreira de médico, ganhando R$ 20 mil mensais, e assim era deferida a reparação, somada de um retroativo que passava dos milhões. Hoje nós buscamos a média remuneratória de um médico, que na maioria das regiões não é muito superior a R$ 3 mil ou R$ 4 mil. Esse exemplo demonstra tanto o modo como trabalhamos para reduzir as assimetrias, quanto os limites para o que podemos fazer sem alterar aquilo que a lei determina.
JC – Existe uma polêmica se a Lei de Anistia de 1979 deve ser estendida ao crime de tortura e a Comissão se posicionou favoravelmente. Por que os torturadores devem ser punidos?
ABRÃO – Essa pergunta deve ser invertida: por que os torturadores não devem ser punidos? Devemos sempre lembrar que a ditadura afastou o Estado de Direito, que sempre negou a prática de tortura, que a anistia a esses crimes não está escrita na lei de 1979 e, ainda, que o Brasil assumiu internacionalmente o compromisso de punir esse tipo de conduta. Defender que os torturadores não devem ser punidos é fazer uma defesa política do regime de exceção, é defender a tese que a ditadura era necessária. O argumento para não punir os torturadores é tão frágil que, para se sustentar, chega a afirmar a existência de crimes como o “estupro político”. Não há, na história do direito, um único tribunal que tenha considerado o estupro de uma pessoa detida como um crime político. Os tribunais do Chile e da Argentina já declararam que as anistias não podem beneficiar os membros dos regimes de exceção, e a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, da qual o Brasil faz parte, já anulou efeitos de leis de impunidade no Chile, Paraguai, Peru, Colômbia, Guatemala e Equador. O Brasil segue sozinho na lista dos países onde graça a impunidade.